Lazarus, criação de Shinichirō Watanabe, responsável por Cowboy Bebop, em parceria com o Studio MAPPA e a Adult Swim, é uma dessas obras que entram no campo visual com um grito e com expectativas, mas saem da memória com um sussurro levemente decepcionante. E talvez essa seja a tragédia da animação: desejar ser memória e eterna sem primeiro se deixar ser verdadeiramente vivida e sem se conectar com a audiência, como um projeto que quer muito ser especial, que tem tudo para ser especial, mas que carece de certos elementos para atingir seus objetivos. Antes de mergulhar mais nessa análise, um breve contexto: em seus treze episódios, a série apresenta um futuro onde a cura para todas as doenças leva ao colapso total da humanidade, uma vez que, como todo milagre que se torna farsa, a promessa da imortalidade revela-se um veneno lento.
É difícil não se deixar atrair pela proposta. Em 2052, o cientista Dr. Skinner desenvolve um composto chamado Hapna, que transforma corpos em máquinas biologicamente perfeitas. Tudo parece sublime, até que, três anos depois, ele anuncia que o medicamento matará todos que o usaram. A partir disso, um grupo de elite chamado Lazarus é convocado para deter o apocalipse em andamento, em um elenco colorido que inclui um protagonista brasileiro: o fugitivo e ágil Axel Gilberto. A premissa soa como um cruzamento entre Akira, Blade Runner e Evangelion, temperado com as obsessões visuais de Watanabe — jazz, neon, kung fu, existencialismo —, tudo embalado em animação de ponta.
A estética é, sem dúvida, o que mais impressiona à primeira vista. Em um tempo em que até o hiperrealismo digital parece genérico, Lazarus surge como um mosaico explosivo: as cenas de luta são coreografadas com precisão quase dançante, as cidades flutuam entre o sagrado e o cyberpunk, e a paleta de cores é uma mistura de sonhos ácidos e pesadelos sintéticos. O episódio de abertura, em especial, é um delírio estilístico, com uma perseguição noturna pelas ruas de Kyoto que parece ter saído de um sonho febril de John Wick animado – não à toa, Chad Stahelski é o responsável pelas sequências de ação. É interessante como a animação evita a normalidade de “fluidez” de animes modernos para priorizar seu próprio estilo visual e atmosfera.
Mas o deslumbre logo encontra a fadiga. E aqui entra o primeiro ponto de atrito: a série parece sempre lutar para manter a velocidade da sua própria ambição. Com uma cadência em muitos momentos morosa além da conta e curvas narrativas que não recompensam a audiência, Lazarus acelera seus dilemas filosóficos, apresenta dezenas de personagens em ritmo de metralhadora, e se entrega a uma verborragia existencial que nem sempre encontra eco emocional. Há uma lacuna perceptível entre a série que Lazarus quer ser e a experiência real de assisti-la. No papel, é uma meditação sobre o preço da perfeição. Na prática, é um desfile de conceitos que se atropelam para chegar ao fim.
Não se trata de um problema de falta de inteligência, mas talvez de excesso de lucidez mal gerenciada. Cada episódio quer dizer algo sobre o corpo, a mente, a alma, o destino, o controle, o tempo, a fé. E esse algo muitas vezes se esvai pela forma. O roteiro parece ter medo de respirar. A montagem é apressada, e os diálogos, que deveriam nos mergulhar no tormento dos personagens, acabam servindo mais como veículos para ideias do que como janelas para o humano. O espectador ouve muito, mas sente pouco. E isso, para uma obra que se propõe como reflexiva, é uma fratura grave. Para piorar, a premissa se perde na superficialidade dos protagonistas. Não há, aqui, nenhum Spike Spiegel. Nenhum Jet, Faye ou Ed. O grupo Lazarus é funcional, mas não memorável. E isso dói. Porque Watanabe sabe criar personagens que são maiores que seus mundos. Sentimos falta daquela frase inesperada, daquele gesto humano, daquele carisma fácil, daquele silêncio quebrado por uma música que resgata algo perdido no espectador. Há técnica, mas há pouco afeto.
Ainda assim, há respiros. Momentos em que Lazarus para de se exibir, de tentar ser super inteligente, e apenas existe. Algumas cenas têm uma serenidade rarefeita, enfatizando o silêncio, o som distante da chuva, e a dor do passado. É nessa contenção que se vê a mão do criador de Cowboy Bebop. Mesmo que Lazarus nunca atinja a profundidade emocional daquela obra, há ecos de seu lamento: personagens que são sombras do que poderiam ter sido, destinos selados por escolhas alheias, e uma certa saudade do mundo antes do mundo acabar. Também é impossível ignorar o esforço da trilha sonora. O jazz experimental e os sopros dissonantes funcionam como o pulsar interno de um corpo prestes a falhar. Quando o roteiro não consegue carregar o peso simbólico, a trilha assume e, por instantes, é como se estivéssemos de volta à Bebop, não pela estética, mas pelo poder de como a música pode dar sentido ao que está calado.
Se Cowboy Bebop era sobre fugitivos lidando com o passado, Lazarus é sobre humanos lidando com um futuro que foi prometido, mas não desejado. A metáfora do remédio que cura tudo mas mata depois é uma crítica com diversas facetas: ao culto da longevidade, da letargia, do transumanismo, da dopamina, e da busca por soluções fáceis. Skinner, o cientista-deus, é menos um vilão e mais uma síntese do mundo moderno: promete alívio, mas entrega dependência (uma crítica, também, à indústria farmacêutica). Ele não quer matar por ódio, mas por convicção. E isso o torna assustadoramente plausível. Ao final, Lazarus é uma obra que impressiona mais do que comove. É deslumbrante, mas frio. É pertinente, mas emocionalmente vazio. É uma tentativa sincera, intensa e esteticamente ousada de voltar a dizer algo grande sobre o homem moderno. Mas ao contrário de Cowboy Bebop, que sussurrava verdades devastadoras enquanto fazia piada com um prato de macarrão, Lazarus grita suas verdades desde o primeiro minuto com personagens menos interessantes e com uma história menos envolvente. Talvez a comparação seja injusta, porém, considerando que a animação ainda entrega bons momentos e tem um saldo final positivo, de um trabalho que nos oferece algo diferente, provocante e deslumbrante.
Lazarus — 1ª Temporada | EUA, 2025
Criação: Shinichirō Watanabe
Direção: Kazuo Miyake, Youhei Tsuchiya, Tsuyoshi Tobita, Kazuo Miyake, Eiji Abiko, Ka Hee Im, Heihachiro Haitani, Sayaka Morikawa, Yasutomo Okamoto
Roteiro: Shinichirō Watanabe, Tsukasa Kondō, Takahiro Ozawa, Dai Satō
Elenco: Mamoru Miyano, Makoto Furukawa, Maaya Uchida, Yuma Uchida, Manaka Iwami, Megumi Hayashibara, Akio Otsuka, Aoi Tada, Koichi Yamadera
Duração: 312 min. (treze episódios)
