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Crítica | Madre (2025)

Fé, inquietude e força.

por Ritter Fan
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Anjezë Gonxhe Bojaxhiu, de ascendência albanesa nascida em Üsküp, em região administrada pelo Império Otomano que, depois, tornou-se Skopje (Escópia) no que hoje é a Macedônia do Norte, é o nome que está na origem de Madre Teresa de Calcutá, canonizada pela Igreja Católica como Santa Teresa de Calcutá, em 2016, depois de seu falecimento em 1997. O longa Madre, primeiro em língua inglesa da cineasta macedônia Teona Strugar Mitevska, conta uma versão ficcional dos sete dias que antecederam a saída da então Madre Superiora Teresa da Ordem das Irmãs de Loreto, em Calcutá, para fundar sua própria ordem, que seria batizada de Missionárias da Caridade, tentando retornar à mulher debaixo do hábito de freira.

Ansiosa para derrubar as paredes que separam as freiras dos paupérrimos da cidade onde mora, parte do que aflige Madre Teresa (Noomi Rapace) no filme é a espera por uma resposta a seu pleito vinda do Vaticano, pleito esse que ela havia feito há muito tempo e insistindo com regularidade. Mas essa espera vem marcada de desafios, o principal deles sendo a gravidez da Irmã Agnieszka (Sylvia Hoeks), seu braço direito e quem iria continuar à frente das Irmãs de Loreto no lugar dela, notícia que Madre Teresa recebe com repugnância e descrédito, fazendo com que seu chão seja tirado sob seus pés e momentaneamente abalando sua fé e colocando em pauta o aborto, algo que, como bem se sabe, a personagem histórica sempre foi absolutamente contra.

O roteiro segue essa conexão entre as duas freiras abalada em seus fundamentos pela gravidez e também a conexão de Madre Teresa com seu confessor, o Padre Friedrich (Nikola Ristanovski), seu amigo de longa data que é para quem ela recorre em momentos de grande dúvida. Entre um e outro, a produção acompanha um pouco do trabalho da freira entre os “pobres dos pobres” que ela sempre procurou priorizar, sem que essa abordagem ganhe qualquer tipo de polêmica que poderia ter ganhado. Muito ao contrário, a abordagem de Mitevska é consideravelmente reverencial à Madre Teresa, com diversas tomadas em plongée durante esse seu trabalho que parecem indicar o olhar divino sobre a protagonista, guiando-a em seu caminho de sacrifício por aqueles que não têm nem onde morrer com um mínimo de dignidade.

Mesmo assim, o filme nos deixa entrever um  pouco da mulher embaixo do hábito, com Rapace construindo uma personagem forte, devota ao ponto da obsessão e até mesmo um pouco assustadora na maneira como lida com as demais freiras. O que se vê é uma forçada natureza que, se pudesse, metaforicamente pegava o Vaticano pelo colarinho e sacudia até obter a autorização que queria para fundar sua ordem e que literalmente derrubaria as paredes de seu convento com picaretas para criar as aberturas para o mundo exterior que tanto queria. Essa retratação de Madre Teresa é ao mesmo tempo estranha e lógica. Estranha pelo contraste com a imagem que o imaginário popular construiu sobre ela e lógica em razão de que somente uma mulher com essas características poderia realmente fazer o que ela fez a vida toda com tanta tenacidade.

Mas Mitevska erra quando tenta fazer de seu filme o que ele não é. Ela ensaia comentários críticos sobrea Igreja Católica pela boca da própria Madre Teresa desafiando o patriarcado que comanda a instituição, mas isso fica somente em uma breve cena com o Padre Friedrich e nunca mais é trazido à tona, como se tivessem alterado o roteiro posteriormente e esquecido de retirar esse trecho que fica pendurado. A tentativa de modernizar a linguagem sonora e visual também falha e aquilo que parece desafiar convenções, o uso de rock na trilha sonora e um momento onírico em que vemos as freiras balançando as cabeças como roqueiras em um show são momentos breves e completamente divorciados de toda a estrutura restante, novamente como meros momentos estranhos em meio a um longa de abordagem fílmica convencional. Se a intenção era fazer uma ópera rock com Madre Teresa, então Mitevska deveria ter apostado suas fichas nisso e não ficado tímido, até talvez temerosa, em fazer algo realmente desafiador e diferente. Não adianta, em situações como essa, só molhar os pés na água; é necessário mergulhar de cabeça, pois, do contrário, é preferível manter o espaço narrativo uniforme.

Madre incentiva que o espectador conheça mais da mulher que se tornaria santa, mas pouco instrumentaliza essa busca, com o destaque ficando mesmo com a atuação audaz de Noomi Rapace. Teona Strugar Mitevska poderia ter ela mesmo quebrado as paredes das convenções e se desafiado a construir esses “últimos sete dias” de Madre Teresa com a coragem que seu filme por vezes mostra que tem. Infelizmente, houve relutância em talvez mexer de verdade com uma personagem tão reverenciada e tudo acabou ficando em um meio termo comum, nem lá, nem cá.

Madre (Мајка – Macedônia do Norte/Suécia/Bélgica/Dinamarca/Bósnia e Herzegovina, 2025)
Direção: Teona Strugar Mitevska
Roteiro: Teona Strugar Mitevska, Goce Smilevski, Elma Tataragić
Elenco: Noomi Rapace, Sylvia Hoeks, Nikola Ristanovski, Ekin Corapci, Marijke Pinoy, Labina Mitevska, Adam-Anu Devarajan, Diksha-Anu Devarajan
Duração: 103 min.

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