Mafia: The Old Country se propõe a contar uma história conhecida sobre o mito do “cara que nasce pobre e sobe na hierarquia da máfia”, mas ambientada no que deveria ser um território menos explorado pela franquia: a Sicília do início do século XX. Em vez de buscar reinventar o gênero, a produção retorna às raízes do que fez a série Mafia tradicional conquistar fãs, com ótima ambientação, narrativa centrada em personagens e abordagem cinematográfica, conseguindo, na maior parte das vezes, entregar uma experiência emocionante, apesar de suas limitações.
O jogo se passa na Sicília, por volta de 1900–1905, antes mesmo de grande parte da mitologia da máfia estabelecida nos EUA. Mafia: The Old Country investe pesado em retratar uma Sicília arruinada, com minas de enxofre, vilarejos empobrecidos, vinhas e personagens que vivem sob opressão quase feudal. Esse pano de fundo não é simples cenografia. Isso fundamenta a narrativa dos personagens. Enzo Favara, o protagonista, nasce como “carusu”, um trabalhador forçado nas minas, e sua primeira revolta contra os abusos da elite é quase simbólica desse momento de transição entre velhas ordens e novas violências.
Essa escolha de cenário é inteligente porque, em vez de recontar o drama mafioso mais famoso dos EUA, joga luz sobre as origens em um prelúdio que nos apresenta como a violência local, as rivalidades territoriais e os valores do costume (honra, lealdade familiar, vingança) moldaram o que viria a se tornar o “crime organizado moderno”. Ele relembra que o fascínio da máfia nunca foi apenas criminalidade, mas também a poética sombria da pertença, do pacto entre sangue e poder. No jogo, a rivalidade entre famílias como a Torrisi e Spadaro (órgãos já presentes no lore da série) deixa claro que esse mundo está nascendo, ainda vulnerável, e o jogador testemunha essa fragilidade sendo dosada com decisões violentas.
Visualmente, a façanha é evidente: Hangar 13 aproveitou o Unreal Engine 5 para dar volume ao ambiente, com texturas rústicas, iluminação natural com sombras longas, detalhes no solo dos vilarejos, nas plantações e nos interiores de casas modestas. Os efeitos de luz, reflexos e partículas de poeira ajudam a conferir que o mundo é vivo, mesmo que linear. O jogo também dedica atenção ao som: vozes corretas, sotaques, trilha sonora sóbria, embalando cenas dramáticas com música que enfatizam tensão e peso.
A história de Enzo Favara é de tramas já muito vistas, com morte precoce de pessoa querida, risco social, ingresso em família criminosa, romance com figura ligada ao Don (que tem uma dublagem inspirada em Marlon Brando que é sensacional), mas The Old Country sabe usar dos clichês com uma boa construção de personagens e uma narrativa criminosa intrigante. Desde sua infância trabalhadora até sua ascensão na família Torrisi, cada ato de violência, cada traição, cada diálogo entre confiança e suspeita ocorre num ritmo que lembra séries dramáticas: longas cutscenes, imersão narrativa e desenvolvimento emocional antes de tiros. Sei que muitas pessoas não gostam de jogos assim, mas penso que a produção sabe equilibrar seu lado mais televisivo sem perder o lado jogável.
No entanto, embora o jogo brilhe como narrativa e ambientação, a gameplay tende a ser apenas funcional e bem pouco inovadora ou no mínimo criativa. Mafia: The Old Country é um jogo linear, com poucas janelas de exploração, missões muitas vezes parecidas e set pieces que, embora bem executadas, não surpreendem. Falta um certo tato durante a jogabilidade para que a produção se prove uma evolução natural dos jogos originais.
O combate em tiro, por exemplo, é redundante em sua simplicidade: inimigos que usam coberturas de forma previsível, IA nem sempre refinada e mecânicas que lembram shooters de gerações anteriores. As seções furtivas, embora interessantes na intenção, sofrem pela falta de verticalidade ou liberdade nos espaços; o design de nível às vezes recorre a rotas estreitas ou falhas instantâneas de missão que interrompem a imersão. A despeito de ser um mundo rico em detalhes, falta interação.
Além disso, por ser narrativamente tão firme, o jogo quase suprime a exploração. Enquanto alguns momentos permitem desvios, logo o fluxo narrativo puxa de volta ao “caminho”, o que dá uma sensação de mundo decorado mais do que de mundo vivo. Isso funciona para manter o foco na história, mas deixa a desejar para quem esperava vagar, descobrir segredos ou construir rotas alternativas. Outro ponto que pesa são certas missões “de preenchimento” que pouco agregam à trama central: corridas meio repetitivas, escoltas simples, confrontos genéricos. A repetição tende a diminuir a ansiedade que a narrativa cria em seus momentos mais tensos, apesar de, mais uma vez, a narrativa ser instigante de acompanhar.
O jogo não será lembrado por revolucionar a gameplay de jogos de máfia, mas por reafirmar o poder da narrativa bem construída e da ambientação imersiva. Quando a proposta é ser um “filme jogável”, a obra entrega muitos momentos memoráveis: diálogos intensos, linhas morais tortas, cortes dramáticos, gestos de traição que visam tocar o jogador e um personagem central carismático. Mesmo em meio a um roteiro já trilhado, o jogo insufla vida ao clichê ao tratá-lo com respeito, detalhe e fidelidade emocional.
Se a jogabilidade se mantivesse no nível da ambição narrativa, com mais liberdade, melhor IA e set pieces mais ousadas, a obra poderia figurar como clássico moderno do gênero. Mas, mesmo como está, é um jogo que vale ser vivido. Para quem é fã da série Mafia ou do estilo narrativo que valoriza a história acima da mecânica, esta é uma jornada que emociona.
Em resumo, Mafia: The Old Country é um prelúdio valioso, um polo de nostalgia e de expansão da mitologia desse universo, que mostra que ainda há espaço para contar histórias de crime que não dependem de mundo aberto, mas de personagens, terra, sangue e ambição. Se você tolera mecânicas básicas em favor de atmosfera, ele é facilmente recomendável. Uma carta de amor à Sicília, às máfias em sua forma mais crua e ao drama entre os tiros e as traições.
Mafia: The Old Country
Desenvolvedora: Hangar 13
Direção: Alex Cox
Roteiro: Alex Cox, Matthew Aitken
Publicadora: 2K Games
Lançamento: 08 de agosto de 2025
Disponível para: PS5, PC, Xbox Series X/S