Estranhamente, o estilo novelesco da Record, com uma montagem acelerada demais para condensar a série de cinco capítulos produzida pela emissora de TV aberta, aliado ao drama pontual, faz essa famigerada produção da Produtora Mamonas Assassinas parecer uma biografia meio Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas sem o requinte irônico, característico até mesmo do estilo dos Mamonas.
Comparar esse filme, dirigido por Edson Spinello, com Memórias Póstumas de Brás Cubas é exagerado, mas utilizo apenas o recorte inicial do filme, em que a narração sugere uma autoconsciência de Dinho (Ruy Brissac) como um “defunto-biografado”. A história do filme gira em torno do sucesso estrondoso de uma palhaçada, sem muita explicação. Tudo é tão truncado e sem desenvolvimento que parece uma música dos Mamonas.
É aí que o filme encontra na comédia o elemento que amarra a narrativa. Tudo é tão caricato, com diálogos tão irreais, que o início de Mamonas Assassinas pode facilmente fazer um espectador mais crítico desistir de assistir uma espécie de cópia da Malhação da Globo. No entanto, o mesmo clima que agrada crianças e pessoas mais velhas apenas por ouvir Pelados em Santos na guitarra é reproduzido enquanto os personagens, por “mágica”, criam as músicas.
A justificativa dessa “mágica” é que a vida dos compositores parece sempre pronta para ser debochada. Nesse sentido, especialmente para as gerações Z e Alpha, Mamonas Assassinas facilmente seria um sucesso hoje, por seu caráter infantil e deboche escrachado. O filme não foge dessa literalidade; pelo contrário, entrega-se completamente a ela, sem demora.
É nesse ponto que a fórmula televisiva tanto perde quanto ganha com a montagem moderninha do filme, para não dizer bagunçada. Se, por um lado, tudo parece aleatório, como uma mistura de jogo de futebol, apresentação de strippers e palanque de vereador, por outro, nada parece perder tempo. Diferentemente de biografias que buscam capturar todo o drama possível de eventos marcantes, Mamonas Assassinas parece mais interessado em deixar tudo colorido, com relacionamentos entre personagens tão superficiais quanto as músicas.
Claro que isso acaba prejudicando o filme, pois, se nada é de fato dramatizado, qualquer narrativa perde quase sua razão de existir. Por isso, o filme foi tão criticado: seu modus operandi parece extremamente descompromissado com a valorização biográfica dos personagens. O que é de fato valorizado é o efeito rápido, quase urgente, do estrelato alcançado pelo quinteto mais único do Brasil.
Os momentos familiares dos personagens são quase como despedidas, na iminência do acidente de avião. Isso, por um lado, é suavizado quando até Dinho, em suas entrevistas antes da viagem, brinca sobre a possibilidade de problemas com o avião. A produção é, de certa forma, autoral para o filme — com a notável exceção do investimento da Claro e da Total Filmes.
Assim, Mamonas Assassinas, como disse o próprio Rick Bonadio, produtor original do grupo em 1995, ao comentar que o papel representado sobre sua pessoa no filme não tem compromisso com a realidade, reflete um pouco dessa biografia misturada com comédia. Mais ainda, diz algo sobre o cinema brasileiro, em que o blockbuster é uma novela, só que mais ágil.
Ágil muito mais pelas suas limitações do que pela qualidade de enfatizar o discurso humanista de Dinho para o público, de que o sucesso dos Mamonas é tão aleatório que todos poderiam chegar ao palco como eles. Essa parte do roteiro, assim como quase tudo, é apenas esboçada, mas ainda suficiente para mostrar quão ordinários são esses personagens, em suas músicas e trajetória de jovens que moram na casa dos pais, mesmo sendo superstars. O filme carrega essa mesma atmosfera, apesar dos problemas.
Mamonas Assassinas – O Filme – Brasil, 2023
Direção: Edson Spinello
Roteiro: Carlos Lombardi
Elenco: Rhener Freitas, Beto Hinoto, Adriano Tunes, Robson Lima, Guta Ruiz, Ton Prado, Patrick Amstalden, Isa Prezoto, Nadine Gerloff, Paloma Bernardi, Ruy Brissac, Fernanda Schneider
Duração: 95 min.