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Crítica | Maus

por Handerson Ornelas
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Há algumas semanas atrás conversava com nosso grande editor-chefe, Ritter Fan, eu falava sobre escrever uma crítica para a famosa obra de Art Spiegelman, Maus. Ritter me desejou boa sorte e afirmou que nunca teve coragem de escrever sobre essa graphic novel. A pressão sentida foi imediata, mas a verdadeira responsabilidade só foi percebida após terminar de ler Maus por completo. A qualidade presente é grande demais, aborda assuntos extremamente profundos da figura do ser humano. Uma pessoa conseguir absorver tudo aquilo e fazer uma análise é um trabalho que soa pretensioso. O próprio Spiegelman se pergunta, em alguns momentos, se seria capaz de entender tudo aquilo.

O enredo narra a história de Vladek – judeu e pai do autor – durante a segunda guerra, o relato da vida de um sobrevivente do holocausto. Spiegelman conta a história mostrando cada nacionalidade como um animal – característica que lembra George Orwell – os judeus são ratos, alemães são gatos, poloneses são porcos e americanos são cachorros. Entretanto, resumir a obra a apenas essa sinopse é minimizar Maus. O desenvolvimento da história é feito de uma maneira inovadora e se torna um ponto bastante interessante. A HQ conta com elementos de “making of”, “autobiografia” e “biografia”, justamente a junção desses elementos que fazem o leitor ficar imerso na leitura. Antes que ache isso estranho, me deixe explicar.

Esse “making of” pode ser atribuído à forma como a história é desenvolvida. Vemos no início, Art com as primeiras intenções de escrever o livro que viria a ser Maus. O autor desenha tudo do ponto de vista da criação da obra, todas as suas visitas à casa de seu pai e conversas com ele e com sua esposa, passando por, desde seus momentos mais criativos, até o período que teve poucas ideias. O verdadeiro narrador é Vladek, que conta suas histórias a Art.

As expressões faciais são um ponto forte do desenho de Spielgeman.

A “autobiografia” corresponde ao próprio Spiegelman. O autor, involuntariamente, (ou não) acaba contando parte de sua vida. Suas frustrações, sua relação com o pai e, até mesmo, alguns momentos bem pessoais, como quando passou por depressão. A “biografia” conta com os elementos principais da HQ: a história de Vladek durante a segunda guerra. Vemos o processo habitual do personagem antes da guerra e como ele conhece Anna, mãe de Art, casando com ela um tempo depois. Em seguida, somos introduzidos ao cenário que a guerra começa, passando pelos primeiros movimentos e perseguições contra judeus, as fugas, os encarceramentos, até chegar ao confinamento em Auschwitz. Aos poucos, amigos e família do casal vão sendo mortos. A sorte e a esperteza de Vladek faz o casal sobreviver a tudo. Se escondem dos nazistas em diversos lugares, contam com a ajuda de amigos e da própria sorte, além de se privilegiarem das riquezas que possuem. No entanto, na metade do livro, os dois são pegos e levados para os campos de concentração.

Temos aqui apenas dois personagens que realmente são desenvolvidos: Art e Vladek. A relação entre os dois é o plano de fundo da história, o autor não esconde os inúmeros defeitos do pai e nem mesmo a raiva que sente deles. Vladek é pão duro e tradicionalista, seguindo fielmente os estereótipos de judeus. O personagem tem ideias loucas (muitas delas oriunda de seu jeito sovino), vive reclamando sobre Mala, sua segunda esposa, e não deixa de julgar e se comparar com Art. O curioso é o seguinte: mesmo com as falhas de Vladek, o personagem é extremamente carismático. Seu sotaque e seu jeito sovino um tanto cômico impedem que a obra se torne pesada demais e transmite um bom humor. Além disso, é impossível sentir raiva de um velhinho carente que passou por momentos traumáticos durante a guerra. Alguns pontos, como seu amor por Anna e sua perseverança durante o encarceramento em Auschwitz, também fazem a simpatia crescer.

Spiegelman narra e desenha de forma direta, descreve muito bem as lembranças do pai sobre o horror que cometeram contra os judeus, sem tentar apelar por emoções baratas. Involuntariamente, as emoções vão chegar. Há cenas bem tristes, mas o autor faz isso de um jeito sincero, sem apelações. Sua arte é crua, não tem pretensões de ser “bonita”, mas, sim, extremamente eficiente. O preto e branco são usados de ótima maneira e cada expressão é muito bem detalhada, assim como a forte caracterização dos cenários da guerra. Quando, um quadro onde o autor desenha uma pilha de papéis amassados, pode ser vista como uma pilha de corpos de judeus, você percebe que está lendo a obra de um gênio.

Spiegelman se questiona em vários momentos se seria capaz imaginar o holocausto. Esse questionamento se volta para o leitor no fim da obra. Poucos conseguem, pois tal experiência pertence a apenas quem presenciou aquela história acontecer. No entanto, Art consegue passar uma realidade extremamente crível para o público, a ponto de sentirmos agonia e sofrimento em cada personagem. São livros como Maus que fazem o ser humano olhar o mundo de uma maneira diferente. No fim, personagens como Vladek se inserem dentro da mente do leitor como uma lembrança. Uma lembrança sofrida, mas cheia de aprendizado. Por uma obra dessas, Spiegelman merece um lugar especial na história da literatura.

Maus (EUA, 1986 – 1991)
Roteiro: Art Spiegelman
Arte: Art Spiegelman
Editora: Pantheom Books (original), Quadrinhos na Cia (Brasil)
Páginas: 296

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