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Crítica | Na Rota do Ouro – 1ª Temporada

Procurando ouro, mas só encontrando pirita.

por Ritter Fan
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Reviravoltas fazem parte do DNA de séries de TV dos mais diversos gêneros e, portanto, é algo esperado e até apreciado pelo espectador. Existem as reviravoltas que fazem pleno sentido dentro da trama sendo contada e outras que existem apenas por existir, que são tiradas da cartola mágica do criador da série como uma muleta narrativa para substituir conteúdo por “surpresas” que acabam desvalorizando o que pode haver de bom na obra. Na Rota do Ouro, produção italiana de ficção histórica situada no sul da Itália depois da unificação do país sob uma monarquia na segunda metade do século XIX, também conhecida como Risorgimento, é um curioso caso de uma série que é, na verdade, uma sucessão tão gigantesca de reviravoltas que chega a ser cômico.

Mas antes de eu realmente terminar de colocar o dedo na ferida, é relevante salientar que a produção envida consideráveis esforços para entregar uma obra que, estilística e atmosfericamente, procura reviver o Faroeste Espaguete popularizado por inesquecíveis diretores como Sergio Corbucci e Lucio Fulci e levado à perfeição pelo incomparável Sergio Leone. A fotografia de Benjamin Maier faz o máximo para usar as belas paisagens desérticas e desoladas da região da Puglia (lá no “salto da bota”), saturando cores para invocar a quentura das imagens gravadas na mente dos apreciadores desse subgênero do Western, com direito a planos generosamente abertos, por vezes contrastando com outros bem fechados, muita poeira e muita câmera parada para deixar o espectador observar a ação. Da mesma maneira, a trilha sonora composta por Michele Braga inspira-se em Ennio Morricone para ajudar na invocação do estilo, com canções anacrônicas sendo bem inseridas para quebrar expectativas e dar personalidade própria e modernidade ao conjunto.

Seria injusto deixar de elogiar, também, os cuidadosos figurinos das várias facções de briganti – bandidos – que lutam contra a tirania piemontesa, por seu turno usando uniformes azuis impecáveis. Há personalidade em cada peça usada, assim como em cada trabalho de maquiagem e penteado para entregar o que poderia ser classificado antiteticamente como realismo estilizado. Igualmente, os cenários pré-existentes e os construídos para a série transportam o espectador para o período e cumprem com louvor o objetivo de evidenciar a pobreza extrema e a opressão apática sofrida pelos camponeses que se veem sem alternativa em meio à uma guerra que, como de praxe, acaba vitimando-os.

Em outras palavras, Em Busca do Ouro tinha absolutamente tudo para ser uma delícia de série, bastando que os roteiros oferecessem uma história minimamente interessante para deixar os visuais falarem por si próprios. Mas, infelizmente, tudo o que a equipe de roteiristas soube escrever foi uma história de “união faz a força” entre os diferentes clãs de bandidos usando como gatilho o “ouro do sul” escondido em algum lugar da região que somente a jovem Filomena De Marco (Michela De Rossi), uma camponesa transformada em esposa de nobre – ou seja, detestada por seu povo e menosprezada por seu marido – sabe onde está e que é cobiçado pelo misterioso Giuseppe “Gavião” Schiavone (Marlon Joubert tentando, mas falhando em canalizar a estoicidade de Clint Eastwood ou até mesmo a canastrice irresistível de Franco Nero). Em meio ao uso de personagens reais para dar um “sabor” à narrativa, tudo o que segue a partir da premissa é a tal infinita sucessão de reviravoltas que mencionei inicialmente, algo que acontece na base de três ou quatro por episódios e quase sempre gravitando ao redor da pergunta “quem é o traidor agora?”, o que torna bastante complicada a jornada pela temporada de apenas seis episódios.

E o elenco todo parece sofrer com essa subserviência da história à surpresas constantes, além da introdução de personagens novos com uma constância quase inacreditável, pois nenhum ator ou atriz entrega uma performance que seja diferente de cenhos fechados de raiva ou rostos desfigurados por choro copioso ou, claro, a mistura das duas coisas. De Rossi e Joubert são os expoentes negativos da série e eles, até onde eu pude notar, pois não é algo assim tão óbvio, são os protagonistas. Os demais ganham apenas seus 15 minutos de fama (mas sempre enfezados ou tristonhos), com a exceção do grande malvadão, Fumel (Pietro Micci) que é o arquétipo do vilão vilanesco que só falta gargalhar histericamente enquanto esfrega uma mão na outra.

Na Rota do Ouro – que, considerando o final, é efetivamente uma série, não uma minissérie – ensaia ser uma genuína homenagem a um subgênero maravilhoso com direito a uma abordagem semi-histórica interessante, mas acaba caindo nas armadilhas de uma obra que só parece saber prender o espectador se oferecer surpresas a cada 10 ou 15 minutos. Toda a ousadia visual que é mostrada no início, portanto, perde-se em meio a um roteiro inane que leva a atuações assustadoras de ruins. Oportunidade desperdiçada é pouco para qualificar isso aqui…

Na Rota do Ouro (Briganti – Itália, 23 de abril de 2024)
Direção: Antonio Le Fosse, Steve Saint Leger, Nicola Sorcinelli
Roteiro: Antonio Le Fosse, Giacomo Mazzariol, Marco Raspanti, Re Salvador, Eleonora Trucchi
Elenco: Michela De Rossi, Ivana Lotito, Matilda Lutz, Orlando Cinque, Marlon Joubert, Ernesto D’Argenio, Giuseppe Lo Piccolo, Pietro Micci, Nando Paone, Federico Ielapi, Josafat Vagni, Gianmarco Vettori, Lorenzo de Moor, Leon de la Vallée, Alessio Praticò, Giulio Beranek, Simone Borrelli, Adriano Chiaramida, Alida Baldari Calabria, Astrid Casali, Giampiero De Concilio, Salvatore Striano, Simone Corbisiero, Gianni Vastarella
Duração: 303 min. (seis episódios)

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