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Crítica | O Adivinho (Asterix)

por Ritter Fan
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Alguns dizem que uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade; outros dizem que basta mentir com concvição para a mentira ganhar contorno de verdade. No entanto, dada a natureza humana, talvez a coisa seja muito mais simples e ela se reduza a algo como “se a mentira agrada a que a ouve, então passa a ser verdade”. René Goscinny e Albert Uderzo provavelmente tinham isso em mente ao escreverem O Adivinho, 19º álbum de Asterix e Obelix, já que o centro de suas atenções são focadas em como os habitantes da aldeia gaulesa e também o regimento de romanos no acampamento de Petibonum, passam a acreditar em um espertalhão que se auto-denomina um “Adivinho” e que chega por ali quando uma fortíssima tempestade cai sobre a única região da Gália ainda não dominada por Júlio César.

Claro que os autores brincam mesmo é com a necessidade humana de acreditar em algo que acalme nossos temores e que diga que não, o céu não cairá sobre nossas cabeças. Mas, no frigir dos ovos, o ponto mais importante é que gostamos de uma mentira que nos agrade, do tipo “você é muito bom, certamente o colocarei como candidato para receber um aumento no final do ano”. Na história, Prolix é a voz de seda que engana os bobos, com apenas Asterix – já que Panoramix está na floresta dos Carnutos em uma reunião de druidas – em momento algum caindo na esparrela que o sujeito fala, a começar por coisas óbvias como “a tempestade passará” e assim por diante.

De certa maneira, O Adivinho é o oposto exato de Os Louros de César. No álbum anterior, os criadores da maravilhosa série entregaram o seu mais adulto álbum, trabalhando temas pesados, notadamente o alcoolismo, sempre com aquele humor característico dos dois. O Adivinho é mais… digamos… básico, simples e certamente “menos adulto”, ainda que nenhum álbum de Asterix seja verdadeiramente para crianças (ainda que crianças possam e devam lê-los!). A história é mais direta, sem serpentear entre temas e tudo é mantido em um ambiente muito conhecido, não passando mesmo da aldeia e seus arredores. Claro que a grande verdade por trás de tudo – o quanto a Humanidade é facilmente manipulável – é dura e um tapa na cara de quem conseguir ler nas não tão “entre”linhas, mas a narrativa sem volteios torna essa conclusão óbvia desde seu início, abrindo espaço para uma história que até mesmo chega a se repetir talvez um pouco demais.

Nada que seja um grande problema, pois ver Prolix enganar Naftalina, dizendo que seu marido finalmente sairá da aldeia e se juntar ao seu irmão abastado na Lutécia (irmão esse que vimos justamente em Os Louros de César), com a esposa do chefe passando a chamar seu marido de Leitãozinho, com Asterix e Obelix tendo que segurar as gargalhadas, é um momento precioso que faz o leitor rir junto dos dois amigos e com a mesma vontade e estardalhaço. O mesmo vale para o Centurião Caius Metidus que tem ordens de César para eliminar quaisquer adivinhos, mas que não consegue de jeito algum resistir à tentação que é Prolix que só precisa dizer, sem maiores contextualizações, que ele será promovido. Além disso, é hilário ver Prolix tentar, em determinada altura da história, tentar justamente provar que não é um adivinho, e falhando miseravelmente, o que confunde o  segundo em comando no acampamento invasor.

Ou seja, a famosa sucessão de momentos brilhantes que arrancam sorrisos e gargalhadas dos leitores estão lá, intactos, ainda que seja visível o quanto a história é mais rasa que as imediatamente anteriores, o que não é o fim do mundo, podem ter certeza. Está mais para um intervalo leve depois de uma leitura mais densa (proporcionalmente, claro!) como a do volume anterior, daquelas mais sem compromisso que não seja o puro divertimento inteligente.

O interessante é que O Adivinho não só passou muito bem pelo teste do tempo como as verdades que fala conversem muito proximamente com os tempos atuais em que vivemos. Afinal, parem e pensem quantas vezes nós mesmos ou, para ficar mais palatável, pessoas que nós conhecemos, caíram em esparrelas internáuticas das mais básicas só porque ela “pareceu verdade” ou combinou com alguma coisa em que essas pessoas acreditam ou querem acreditar? Prolix está entre nós, não tenham dúvida alguma disso!

O Adivinho (Le Devin, França – 1972)
Roteiro: René Goscinny
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Pilote, Dargaud (serializada entre maio e setembro de 1972 e lançada em formato encadernado em 1972)
Editoras no Brasil: Editora Record (em formato encadernado)
Páginas: 48

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