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Crítica | O Despertar

por Luiz Santiago
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Alguns filmes não nos despertam o interesse imediato para vê-los. Nesse caso, esperamos pacientemente pelo seu lançamento em DVD ou plataformas digitais, a fim de podermos curtir uma tranquila e animada (ou não) sessão em casa. O milagre acontece quando nos aventuramos em um filme dessa categoria e nos surpreendemos bastante porque o que acabamos de ver é bem melhor do que esperávamos. Esse foi o meu caso com O Despertar (2011), a estreia do diretor Nick Murphy no cinema, após vários trabalhos na televisão.

O título do filme já nos dá a pista para o que possivelmente vamos encontrar durante a sessão. É claro que se o espectador tiver um pouco de conhecimento das teorias da psicanálise o filme terá muito mais impacto e o título será de imediato processado, entendido e curtido. A história é recorrente nos filmes de terror e o diretor não faz nada para inovar o tema, apenas trabalha com certa competência a temática da casa assombrada por fantasmas e do incrédulo que não acredita em espíritos até se ver dentro de uma história com vários deles.

Rebecca Hall assume com segurança o papel da “caçadora de fantasmas”, delineando bem a face um tanto paranoica e analítica de uma pessoa cega pela ciência. O fato de não acreditar em um mundo de espíritos é o fim da linha para a sua personagem ao se ver dentro de um orfanato, investigando um caso sobre um fantasma aparentemente verdadeiro, em um lugar que lhe faz temer, pela primeira vez, os espíritos que tanto desdenhava. Além dessa questão de Ciência X Inexplicável, há o lado psicanalítico do filme, seu ponto mais notável – embora comum. A história pode não ser bem contada em determinados pontos, mas os roteiristas conseguiram manter um nível de interesse bem acima da média para um de terror europeu com planos vazios, silêncios, supressão de som em momentos dramaticamente fortes, elipses temporais e espaciais e uma história ambientada no início do século 20, em uma Grã Bretanha que amarga as feridas da Primeira Guerra Mundial e os efeitos da gripe espanhola.

O filme é fotografado com muita luz difusa e cores frias, num ótimo trabalho de Eduard Grau, inclusive nos closes e reflexos, ótimos trampolins para o “momento susto” do filme. A mesma coisa temos com a precisa e muito funcional trilha sonora. Nesse ponto, a afirmação “terror psicológico” pode ser aplicada a O Despertar, porque não só através do roteiro, mas também dos setores técnicos, vemos a intenção deliberada da criação de um suspense traumático que nem sempre resulta numa morte violenta, litros de sangue ou demônios horrorosos visitando a Terra, mas no encontro da personagem com ela mesma, no meio daquilo que se acreditava ser algo muitíssimo assustador. E para isso, não haveria ambiente de trabalho melhor do que a casa.

Por quê sempre “a casa”? Bem… quantos filmes de terror você consegue se lembrar que não usam uma casa como um dos cenários principais? Certamente não são muitos, especialmente se ampliarmos “casa” para “qualquer espaço fechado, habitado fixa ou temporariamente pelos personagens do filme”, e que de alguma forma limitam ou geram a fonte do terror. Pensando nessa questão, podemos analisar com um pouco mais de detalhe o motivo pelo qual é dramática e psicologicamente correto e usar casas (hotéis, hospitais, cabanas, etc.) como cenários de filmes desse gênero. Partiremos de uma frase de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant:

O exterior da casa é a máscara ou a aparência do homem; o telhado é a cabeça e o espírito, o controle da consciência: os andares inferiores marcam o nível do inconsciente e dos instintos; a cozinha simbolizaria o local das transformações alquímicas, ou das transformações psíquicas […]. A casa é sempre a imagem do universo, significa o ser interior, e por isso mesmo, a psicanálise reconhece na casa (principalmente no mundo dos sonhos), os diversos níveis da psique.

A casa também tem no imaginário popular o poder mítico de guardar a memória das coisas, ou, como em um templo, trazer à tona sensações, eventos impossíveis, lembranças, etc. Nos filmes em que vemos a casa como uma personagem importante, elas sempre são o motor-gerador dos eventos, o espaço que pode abrigar e fazer manifestar-se todo o tipo de ser, como em A Hora do Lobo (1968), Os Outros (2001), Horror em Amityville (2005), A Chave Mestra (2005), entre tantos outros.

No início do texto, eu disse que o título do filme é muito sugestivo. De fato, The Awakening nos sugere coisas tão comuns quanto realmente macabras – acho que para a sociedade cristã Ocidental a referência mais macabra nesse sentido seria “O Despertar da Besta”, citado no Apocalipse. A primeira coisa que me vem à mente é aquela gigantesca estátua de bronze do Potomac Park, em Washington, e é justamente a mesma coisa que podemos imaginar desse filme. Não um despertar comum, mas um despertar que pode estar ligado a mais de um mundo. É nesse ponto que o filme nos pega. A gente se esquece dos vergonhosos truques de edição e de alguns buracos no roteiro apenas para apreciar os muitos sentidos de “o despertar”, e mesmo que seja só por isso, vale a pena a sessão.

O Despertar (The Awakening, UK, 2011)
Direção: Nick Murphy
Roteiro: Stephen Volk e Nick Murphy
Elenco: Rebecca Hall, Dominic West, Imelda Staunton, Isaac Hempstead Wright, Shaun Dooley, Joseph Mawle, Diana Kent, Richard Durden, John Shrapnel, Cal MacAninch, Lucy Cohu, Anastasia Hille, Andrew Havill, Tilly Vosburgh, Ian Hanmore
Duração: 107 min.

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