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Crítica | O Dia da Castração

Uma animação castrada.

por Ritter Fan
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Até o momento em que os créditos começaram a rolar em O Dia da Castração, eu não havia assistido nada ruim criado, dirigido e/ou escrito pelo russo nacionalizado americano Genndy Tartakovsky. Entre O Laboratório de Dexter, Samurai Jack, Star Wars: Clone Wars, Titã Simbiônico e o recente Unicorn: Warrriors Eternal, ele sempre conseguiu atingir o mais alto nível de qualidade, ficando abaixo disso, mas, mesmo assim, muito acima do ruim, na cinessérie Hotel Transilvânia, que é, no agregado, apenas simpatiquinha, e o deslize abissal no final da segunda temporada de Primal, ainda que, nesta última, ele tenha entregue coisas espetaculares ao longo da maioria dos episódios anteriores. Portanto, quando, passeando pelo cardápio do Netflix, deparei-me com a curiosamente intitulada animação O Dia da Castração, cliquei nos detalhes e vi seu nome na direção, eu automaticamente comecei a assistir e, quando acabei, eu continuei a não ver nada ruim de Tartakovsky. Ao contrário, eu gostaria muito de ter assistido algo ruim, do fundo do coração, mas o que vi não tem relação alguma coisa ruindade, mas sim com ultraje, brincadeira de mau gosto, uma verdadeira trollagem do cineasta desde os primeiros segundos da dolorosamente insuportável projeção até o alívio que é vê-la finalmente acabar depois de seus 8.500 minutos de duração.

E reparem só: Tartakovsky é um especialista em animação para adultos. Basta olharem boa parte do que ele criou para notarmos que ele realmente entende o que faz uma obra adulta ser adulta, muito diferente de diversas outras mentes supostamente criativas por aí que confundem violência extrema vazia, escatologia idiota e subversões banais com material para adulto, como se ser adulto fosse, apenas, ser um adolescente que passou há muito da idade de ser chamado de adolescente. O Dia da Castração é, em poucas palavras, um anti-filme adulto, um escárnio em forma de animação que eu espero que tenha sido algo que Tartakovsky fez para provar que produtoras não têm ideia do que fazem e soltam dinheiro para qualquer coisa, ainda que esta aqui, vale dizer, teve sua distribuição cinematográfica (sim, isso ia para os cinemas!) rejeitada pela Warner e comprada pelo Netflix que, pelo visto, é como um caminhão de lixo que vai passando pela casa dos outros para pegar o conteúdo das latas deixadas em frente.

Na história, Bull (Adam DeVine), um cachorro tarado feio pacas que adora transar com a perna de uma vovó humana, que flerta achando que não tem chances com Honey (Kathryn Hahn), a cadela de passarela vizinha da casa onde mora, e que é particularmente orgulhoso de seus testículos, descobre que seus donos vão castrá-lo, levando-o a uma desesperada “última noitada” pela cidade com seus amigos Rocco (Idris Elba), Fetch (Fred Armisen) e Lucky (Bobby Moynihan). No entanto, o que poderia ser algo até interessante, torna-se uma espécie de uma sucessão de tiques nos quadradinhos do Formulário do Filme Adultão. Tem sexo de todo jeito? Claro! Tem linguagem vultar o tempo todo? Sim! Tem escatologia na base de uma a cada cinco minutos? Sem dúvida! Tem palavreado vulgar sendo metralhado a cada linha de diálogo? Como não teria? O que não tem é consistência, subtexto, comentário e, vamos combinar, um negocinho chamado graça. Se eu ri de O Dia da Castração foi de vergonha alheia, talvez por não conseguir acreditar que eu estava realmente assistindo algo da lavra de Tartakovsky.

Sei que quem só ler o parágrafo anterior e não me conhecer de outras críticas achará que sou moralista, que não aguento vulgaridades e coisas assim e eu não vou tentar me explicar por pura preguiça, mas sim apenas reiterar que esse longa, ironicamente, parece uma versão castrada de algo que talvez pudesse sim ser de Tartakovsky. Tentou-se fazer algo subversivo e esperto, mas tudo o que resultou foi uma obra temerosa de ir até o fim, de ultrapassar barreiras sem medo como, por exemplo, David Feiss fez há muitos anos com a dobradinha de A Vaca e o Frango com Eu Sou o Máximo, ou como Aubrey Ankrum, Rhode Montijo e Kenn Navarro fizeram com Happy Tree Friends, isso só para usar como exemplo séries protagonizadas por animais, claro. Ora, o próprio Tartakovsky soube mergulhar a fundo no mundo adulto todas as vezes que quis criar uma obra desse tipo.

Pelo menos o design de personagens e a animação funcionam, pois, nesses departamentos, a tentativa de se espelhar o estilo Looney Tunes de ser, só que com animais longe de qualquer tipo de fofura e com a cinética das criações de outrora da Warner deram um pouco de sabor à cachorrada, especialmente considerando que tiveram a coragem de criar um protagonista desagradavelmente feio que parece vindo diretamente da mente de um Pablo Picasso particularmente cheirado. Mas, mesmo nesses aspectos positivos, o longa parece ter vergonha de se expor completamente, de chutar o proverbial pau da barraca e aloprar da maneira que o roteiro parece também querer aloprar, sem jamais efetivamente se comprometer com isso. Fica aquele gosto amargo de uma obra entre dois mundos, em um deles algo comportado e divertido e, no outro, algo insano e indisciplinado, o que, repito, não esperaria de uma obra assinada por Genndy Tartakovsky. Espero com todas as minhas forças que O Dia da Castração seja a exceção que confirma a regra.

O Dia da Castração (Fixed – EUA, 13 de agosto de 2025)
Direção: Genndy Tartakovsky
Roteiro: Genndy Tartakovsky, Jon Vitti
Elenco: Adam DeVine, Idris Elba, Kathryn Hahn, Fred Armisen, Beck Bennett, Bobby Moynihan, Michelle Buteau, River Gallo, Grey DeLisle, Aaron LaPlante, Scott Weil, Julie Nathanson, Michelle Ruff, Kari Wahlgren, Sean Chiplock, Daran Norris
Duração: 85 min.

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