Wes Anderson precisa de ajuda. Aprisionado em seu milimétrico esquadro cinematográfico, o texano tem vivido das glórias de seus melhores e adorados filmes passados, caindo a cada nova produção em um repeteco sensivelmente desordenado de ideias que, ao cabo, salva-se porque suas escolhas e composição estética são divinamente belas, complexas, plurais e imageticamente perfeitas. E não só isso: a escolha de cores da direção de arte e dos figurinos (além dos próprios modelos das roupas) mais a fotografia criam pinturas em movimento que fazem cada quadro de um filme do cineasta servir para exposição. Notem, porém, que isto é um padrão recorrente desde Os Excêntricos Tenenbaums (2001), ou seja, são duas décadas e meia subindo a escada de engrandecimento da forma e, na fase atual de sua carreira (composta por A Crônica Francesa, Asteroid City e o presente Esquema Fenício), descendo a ladeira do conteúdo.
Há que se considerar, também, o peso do conhecimento das obras do diretor. Cinéfilos muito jovens, inexperientes ou pessoas que se impressionam muito fácil com tudo tenderão a abraçar com enorme facilidade qualquer experimento que, para elas, seja novidade, mesmo que não seja (longe disso, na verdade). Ao analisar O Esquema Fenício, mesmo essas pessoas entenderão as falhas nas duas principais escolhas do diretor e roteirista (mais uma vez ao lado de Roman Coppola), a saber: a exposição didática do primeiro ato que estraga todas as surpresas vindouras da obra; e as sequências de desfecho, que possuem um clímax e uma última cena decepcionantemente medíocre.
Zsa-zsa Korda (Benicio del Toro) é um empresário do ramo bélico que segue escapando das mais estrambólicas tentativas de assassinato. Os primeiros minutos de O Esquema Fenício trazem coisas que não vemos tão frequentemente nos filmes de Wes Anderson e abrem uma linha de ação que indica uma trama ágil… que jamais chega a existir. Os boicotes e as tentativas de explodir o magnata acabam fazendo com que ele contate a freira Liesl (Mia Threapleton), sua filha, e a nomeie única herdeira do império Korda, iniciando uma viagem que deve servir como o maior esquema de compensação financeira para a família, mesmo dali a várias gerações. É aí que o diretor utiliza as caixinhas de sapato como divisões metafóricas e internas da obra (uma recorrência nos filmes) e tenta criar, em cada bloco, uma ação de disputa pessoal/familiar e financeira para prender o público e elevar a história, só que ele não consegue nem uma coisa, nem outra.
Se fôssemos reunir a ação particularmente importante para o tal esquema de negócios, teríamos pouco menos de uma hora de filme, sendo todo o restante amenidades de ligação narrativa que transoformam os cameos em figurações de luxo mal aproveitadas, com momentos definitivamente vergonhosos, como o jogo de enterradas, por exemplo. Por outro lado, temos momentos que merecem os louros da novidade e que dão uma aura diferenciada à fita, como as cenas em preto e branco que mostram o mundo onírico (e profético) do protagonista, com uma identidade à la Sergei Paradjanov e simbolismos realmente muito bons, um dos poucos momentos do filme onde o contexto não se curva à superioridade plástica.
As atenuações que vínhamos fazendo há algum tempo para as obras de Wes Anderson chegam, aqui, a um ponto sem retorno. O diretor entrega, de um lado, algo que o consagrou e que ele sabe fazer muito bem; mas de outro, não entrega nada além de um fiapo de história, quase uma sinopse, tentando vender um filme completo que não se completa. Há vazios grandiosos entre os atos que nem personagens em posições inesperadas, como é o entomologista Bjørn Lund, interpretado de maneira bem engraçada por Michael Cera, conseguem contornar ou servir como distração. A falta de um preparo que contemple a catarse da história e suas consequências, antes de rolar os créditos, é talvez a pior da carreira do diretor, e só não derruba ainda mais o filme porque há maturidade e excelência o bastante em outras searas técnicas para impedir isso. Para um artista, estancar assim não é alentador. Por isso, volto àquilo que expus no início do texto, ainda mais certo e triste pela constatação: Wes Anderson precisa de ajuda.
O Esquema Fenício (The Phoenician Scheme) — EUA, Alemanha, 2025
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola
Elenco: Benicio Del Toro, Truman Hanks, Steve Park, Scott Shepherd, Willem Dafoe, F. Murray Abraham, Carmen-Maja Antoni, Mattia Moreno Leonidas, Alexandra Wysoczanska, Donald Sumpter, Rupert Friend, Simon Weisse, Mia Threapleton, Michael Cera, Alex Jennings, Matthew Jordan, Sönke Möhring, Max Mauff, Philipp Droste, Riz Ahmed, Tom Hanks, Bryan Cranston, Charlotte Gainsbourg, Antonia Desplat, Mathieu Amalric, Mohamed Chahrour, Richard Ayoade, Jeffrey Wright, Scarlett Johansson, Bill Murray, Benedict Cumberbatch
Duração: 101 min.