Home Diversos Crítica | O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams

Crítica | O Restaurante no Fim do Universo, de Douglas Adams

por Luiz Santiago
672 views

Volume 2 da Série “O Mochileiro das Galáxias”

Começando exatamente onde O Guia do Mochileiro das Galáxias terminou, este segundo livro da “trilogia de cinco” se mostra bem mais caótico e desfocado em narrativa do que o primeiro volume. Isso pode parecer uma heresia para os leitores que são insanamente devotados à saga de Arthur, Ford, Zaphod, Trillian e Marvin pelo Universo, mas infelizmente é uma verdade inconveniente. O livro é divertido, gostoso de ler, mas a impressão do leitor é que está diante de vários contos agrupados e modificados em sua continuação para indicar que fazem parte de uma mesma aventura, o que evidentemente não dá muito certo.

A primeira parte de O Restaurante no Fim do Universo é a mais divertida, mais bem escrita e com a melhor sequência maluca de eventos de todo o volume. Sabendo do estilo bagunçado de Douglas Adams escrever — ele teria sido um excelente roteirista de quadrinhos se tivesse investido nessa área, justamente pela tendência e facilidade de contar várias coisas ao mesmo tempo e sob vários pontos de vista –, o leitor se prepara para uma enxurrada de eventos relacionados ao fator de Improbabilidade Infinita e ações da Coração de Ouro pela Galáxia. Ocorre que a esperada enxurrada se mostra, na verdade, um fluxo organizado de muitas, muitas ideias. Apesar da quantidade, é possível entender e saborear o “encontro” da tripulação da CO com os Vogons e a gloriosa sequência de Arthur pelejando com a Nutrimática para conseguir uma xícara de chá.

A narrativa dá uma guinada para o que nos parece um outro conto, ou melhor, as consequências improváveis dos primeiros 4 capítulos. Zaphod e Marvin aparecem em Beta Ursa Menor e Arthur, Trillian e Ford ficam desorientados, sem saber muito bem como proceder a partir desse ponto. Curiosamente, o mesmo acontece com o leitor, que apesar de rir muito com os lamentos e ações de Marvin (depois dos primeiros 4 capítulos ele salva o livro), com as implicações malucas que ocorrem no escritório/prédio editorial do Guia do Mochileiro das Galáxias, com o jantar no restaurante no fim do Universo (literal, espacial e temporalmente) e o fraquíssimo conto de desfecho com a nave dublê de Hotblack Desiato, passa a lidar com um texto cada vez mais picotado e, aí sim, com uma enxurrada de coisas que não possuem grande importância para a saga como um todo.

O que permanece sempre atual e sempre interessante comprovar é a capacidade de Adams em criticar de forma cínica e irônica toda a nossa realidade, nossas conquistas científicas e filosóficas, nossa humanidade. Se colocarmos de lado a base estrutural de sua narrativa e olharmos apenas para o que ela espelha, certamente teremos um prazer a mais e a leitura valerá muito a pena não só pela parte cômica mas também porque nos faz pensar e nos enraivecermos com as coisas mais comuns do nosso Universo-Terra como a existência de políticos que não governam (e não podem governar, apesar de quererem), de burocratas insanos, de pessoas que demoram no banho e de indivíduos que vivem procurando o significado da vida, do Universo e tudo mais. No âmbito das metáforas, sátiras e afins, Adams cria aqui mais uma aventura crítica digna de aplausos.

A última parte do livro é um verdadeiro pecado em termos de continuidade da ação “principal”, se ela existe. A chegada da nave dos burocratas inúteis ao “lugar onde tudo começou” e a retomada da pergunta mais importante do universo, que daria sentido à resposta para tudo de mais profundo no Universo (42, como vimos no livro anterior) é bem aquém do que merecia e não podia ser mais anticlimática. Mesmo que o autor quisesse continuar a brincadeira, com aquele desdém filosófico ao existencialismo exposto no Guia, seria necessário um ambiente e um contexto menos medíocre para fazer valer a importância da pergunta à já recebida resposta. Tudo bem que o fechamento do ciclo traz à tona o símbolo maior, o super-computador projetado pelo Pensador Profundo e suas criaturinhas [in]significantes, mas se a obtenção da resposta foi marcada por um épico anticlímax, a revelação da pergunta, se é que ela foi mesmo revelada, merecia enredo igualmente importante e interessante.

O Restaurante no Fim do Universo tem ótimos momentos, além da aparência cômica de uma ópera espacial e personagens cativantes, o que faz dele uma leitura muitíssimo válida. O grande problema é que lhe falta unidade narrativa, especialmente no insano caos de enredo que toma conta da obra após o jantar no final de toda a existência real e simbólica já existentes. Vai ver, aí esteja a verdadeira justificativa e sentido da obra. Quem sabe?

O Restaurante no Fim do Universo (The Restaurant at the End of the Universe) — Reino Unido, 1980
Autor: Douglas Adams
Editora Original: Pan Books
No Brasil: Editora Arqueiro (2004)
Tradução: Carlos Irineu da Costa (com revisão de Antonio dos Prazeres e Sérgio Bellinello Soares)
229 páginas 

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais