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Crítica | O Sandman (1991)

Hummm... que soninho gostoso!

por Luiz Santiago
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Alguém que não conheça a versão folclórica europeia que se fundamentou a partir do século XIX sobre o Sandman (século em que ele passou a ser retratado como uma figura maléfica, quase ou verdadeiramente demoníaca, dependendo da narrativa), pode ficar bastante espantado com o que temos neste fantástico curta de animação em stop-motion dirigido por Paul Berry e que chegou a ser indicado ao Oscar. Oficialmente lançado em 1991, O Sandman é a adaptação do conto que abriu as portas para esse tipo de representação sombria do Ser que causa o sono nas crianças. No conto O Homem da Areia, de 1817, o escritor E.T.A. Hoffmann realiza uma abordagem diferente para o personagem conhecido em diversas culturas do centro e norte da Europa (depois se espalhando por outras regiões, até mesmo para Portugal, onde é conhecido por João-Pestana, nome que popularmente se dá ao Sandman aqui no Brasil também), mas mantém as linhas básicas dessa criatura: o acesso ao Mundo dos Sonhos através de uma “areinha mágica” lançada nos olhos das pessoas.

O curta não tem diálogos, apenas uma ótima trilha sonora e sons do ambiente, onde vemos um garotinho inicialmente brincando com seu tambor, enquanto a mãe borda, em um canto da sala. Quando um macabro relógio de parede bate às oito horas da noite, é hora de o menino ir deitar-se, e neste ponto é que começa o seu tormento e a parte para a qual o diretor chama a nossa máxima atenção. É nesta atmosfera de medo antes do sono e do sonho que irá aparecer o vilão da história. O diretor cria cenários que nos lembram bastante os filmes do Expressionismo Alemão, com paredes tortas, ângulos inclinados e exploração dos lugares sombrios da casa. Essa interação entre a luz e a escuridão somada à estética expressionista é o bastante para causar medo, mas a coisa não para por aí.

O menininho protagonista está claramente morrendo de medo dessa visita noturna. É curioso o fato de que o garoto sabe que será visitado por uma figura estranha, que provavelmente já o ameaçou outras vezes. Nesse ponto, o filme acaba tomando um caminho interpretativo que torna tudo ainda mais instigante, porque o espectador pode entender a obra como uma representação do real, nesse Universo do personagem (ou seja, o Sandman existe; colocou o menino para dormir e, de fato, roubou-lhe os olhos); ou como uma metáfora para questões psicanalíticas, como o conceito do pai castrador ou de determinadas pulsões e angústias pessoais, que são as mais populares análises feitas do conto original. O fato é que essa visita noturna confirma o medo extremo do menino e o deixa em desespero, ao se dar conta do que aconteceu com ele, após a tal visita.

Experiências cinematográficas oníricas são sempre um convite para debates simbólicos e emocionais (o que de fato aconteceu aqui?), e cada cineasta representa o Universo dos sonhos, com seus perigos, perdas ou ganhos para o personagem protagonista, de forma diferente. Paul Berry traz a essência do conto alemão, mas cria uma representação bastante particular, aristocrática, tanto na forma como imagina o Sandman (um ser de cor azul, que vem de um Universo de cristais azuis) como na forma como exibe o seus movimentos assustadores, vagarosos, espreitando cuidadosamente até a execução de seu intento, que a meu ver é a alimentação de pesadelos e angústias menores causadas por um grande trauma ou medo central e antigo que esse menino tem. É um curta de fantasia com espaço para muitos questionamentos, interpretações e cenas do mais inocente e puro horror.

O Sandman (The Sandman) — EUA, Reino Unido, 1991
Direção: Paul Berry
Roteiro: E.T.A. Hoffmann (conto)
Elenco: Não há
Duração: 10 min.

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