Com O Filho de Saul, seu primeiro longa-metragem e ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional para a Hungria em 2016, László Nemes instantaneamente inseriu seu nome entre diretores de grande promessa ao lado do de sua parceira Clara Royer no roteiro. Seu filme seguinte, Entardecer, de 2018, também com Royer coescrevendo com ele e Matthieu Taponier, não teve nem de longe o mesmo tipo de impacto e permaneceu razoavelmente à margem da percepção popular. Com Órfão, Nemes e Royer retornam à parceria exclusiva em uma história que, curiosamente, ecoa a de O Filho de Saul, pois aborda a relação de um filho com seu possível pai, só que não durante a Segunda Guerra Mundial, mas sim depois da fracassada Revolução Húngara de 1956 que tentou derrubar o governo de marionetes controlado pela União Soviética.
Trata-se de um filme com elementos biográficos, já que a ideia vem das memórias do pai do diretor em busca de seu pai biológico no período posterior à guerra até a referida revolução, com o roteiro focando no jovem Andor (Bojtorján Barabas) cuja mãe Klára (Andrea Waskovics), por razões que ficam claras ao longo do desenvolvimento do longa, sempre mentiu para ele sobre seu pai, dizendo que este era seu marido morto na guerra, de sobrenome Hirsch, que o garoto usa com todo o orgulho. No entanto, esse mundo em que Andor é Hirsch é abalado fortemente quando Berend (Grégory Gadebois), um violento e volumoso açougueiro do interior que escondera Klára em seu sótão durante a perseguição aos judeus, retorna para a vida dela, estabelecendo de imediato que ele é o pai de Andor, o que o menino não aceita de maneira alguma e faz tudo para rejeitar essa noção.
É, sem dúvida alguma, um conceito potente, com o conflito entre o pai idealizado e o pai real – em tudo concepções completamente antitéticas – alterando profundamente a própria identidade de Andor e fazendo-o sofrer ao ver sua mãe, completamente sem alternativas, ser enredada por um homem que ele não conhece e não quer sequer dar a chance de conhecer, algo que o roteiro torna mais fácil de aceitar na medida em que apresenta Berend como um homem que se aproveitou da situação de vulnerabilidade de Klára durante a guerra, só para usar um eufemismo. Em paralelo à narrativa principal, há outra que comenta especificamente a perseguição do governo húngaro aos insurgentes que, aqui, é representado pelo irmão mais velho de Sari (Elíz Szabó), melhor amiga de Andor, que permanece escondido em um lugar que apenas as duas crianças sabem e que, claro, tem um papel importante na convergência final.
Como em O Filho de Saul, o filme conta com um trabalho soberbo de Márton Ágh no desenho de produção e de Andrea Flesch nos figurinos, com uma reconstrução minuciosa de época capturada pelo excelente trabalho de direção de fotografia de Mátyás Erdély (de O Filho de Saul) que emudece as cores, mantém proeminente uma paleta marrom-amarelada que reafirma as condições duras de vida de todos que gravitam ao redor de Andor, com belíssimo uso de sombras e luz natural nas filmagens noturnas. Esse conjunto visual de Órfão é o grande destaque da produção e ganha aquele sempre bem-vindo status de “personagem” tamanha é sua importância para a composição das cenas por Nemes.
No entanto, infelizmente, o roteiro de Nemes e Royer tem queima lenta, algo que não seria um problema se ela não fosse lenta demais, investindo um tempo enorme na construção e desenvolvimento de Andor e da mentira – essencialmente benigna, diria – sobre seu pai verdadeiro, tempo esse acaba fazendo com que a entrada de Berend na história – que é o efetivo catalisador do coração da narrativa – acaba sendo adiada por mais tempo que deveria, criando um desequilíbrio entre as duas metades do longa. Claro que é importante que o espectador compre a idealização do pai por Andor, mas isso o roteiro e também a direção de Nemes consegue estabelecer em relativamente pouco tempo, com o trabalho de atuação do jovem Bojtorján Barabas, em seu primeiro papel, ajudando muito na aceleração desse processo. Dessa maneira, quando Berend é inserido na história, tudo ganha uma aceleração bem maior do que a necessária, pois é justamente nesse ponto que era importante uma abordagem mais ritmada e menos repetitiva em sua estrutura que leva Andor a andar em círculos por muito tempo.
Órfão não tem o poder de O Filho de Saul, apesar de compartilhar seu motor narrativo central, com o filme mostrando desgaste pela forma como os dois momentos na vida do protagonista são divididos e como o roteiro oferece relativamente pouco para justificar a duração de mais de duas horas do longa. Ainda é, sem dúvida alguma, um filme muito bonito tanto temática, quanto visualmente (diria que mais visualmente do que tematicamente), mas ele não consegue se sustentar o tempo todo e não demora a mostrar que uma espécie de autofagia que consome seu poder e vitalidade.
Órfão (Árva – Hungria/Reino Unido/EUA/Chipre/França/Alemanha, 2025)
Direção: László Nemes
Roteiro: László Nemes, Clara Royer
Elenco: Bojtorján Barabas, Elíz Szabó, Hermina Fátyol, Grégory Gadebois, Andrea Waskovics, Marcin Czarnik
Duração: 132 min.