Como qualquer um que leu algum livro para crianças escrito por Roald Dahl sabe muito bem, o autor britânico tinha uma imaginação fértil que cambava para o bizarro e o ousado, o que nem sempre é fácil de ser adaptado para outras mídias. Mas muitos tentaram e alguns triunfaram com alguns clássicos modernos do audiovisual – não necessariamente obras irretocáveis, porém – como A Fantástica Fábrica de Chocolate, Convenção das Bruxas, Matilda e, pelo menos para mim, o melhor de todos de longe, O Fantástico Sr. Raposo. Uma adaptação de Os Pestes (tradução brasileira “levinha” para o título original do livro The Twits que mais diretamente significa Os Idiotas) estava nos planos de Hollywood desde 2003, mas foi somente com a aquisição da Roald Dahl Story Company pelo Netflix em 2022 que ela realmente foi adiante, originalmente estruturada como série, mas, depois, transformada em longa-metragem.
Inspirado pelo desgosto de Dahl por barbas, Os Pestes lida com o nojento casal titular (vozes de Margo Martindale e Johnny Vegas) que se odeia e que fica o tempo todo pregando peças um no outro, com o Sr. Peste tendo uma enorme barba em que tudo de mais sujo e porco pode ser encontrado. Para sustentar 103 minutos, o roteiro escrito por Phil Johnston e Meg Favreau amplia a premissa e cria uma história bem mais ambiciosa que faz dos Pestes criaturas prontas para se vingar da cidade em que vivem depois que o parque de diversões que os dois construíram – Pestelândia – é fechado pelo Departamento de Saúde Pública no dia da inauguração, vingança essa que acaba atrapalhando o sonho de Bubsy (Ryan Lopez) de ser adotado, o que leva Beesha (Maitreyi Ramakrishnan), menina um pouco mais velha que vive com ele no orfanato, a tomar suas dores e enfrentar o casal. Com um artifício de enquadramento que faz com que a história seja uma história de ninar que Pippa (Natalie Portman), uma vaga-lume que mora na barba do Sr. Peste, conta para seu filho, a trama tem ainda uma família de macacos azuis cujas lágrimas são o combustível para o parque funcionar, um sapo que fala ao contrário e mais uma infinidade de outros detalhes que povoam e tumultuam demais um mundo visualmente fascinante, com a direção de arte, inspirada na arte original de Quentin Blake, caprichando nessa construção de algo que pode muito bem ser chamado de “lindamente feio”.
No entanto, o visual caprichado ao lado de bons trabalhos de voz e de canções compostas por David Byrne não são suficientes para tirar Os Pestes daquela linha mediana que tem sido cada vez mais típica de produtos audiovisuais voltados para o streaming. O roteiro do longa simplesmente não tem fôlego para manter a trama interessante pela duração de um longa a ponto de eu ficar aqui matutando sobre que mais material haveria para justificar a produção de uma série, como foi originalmente pensado. A premissa do “casal que se odeia”, central à obra original e dentro do próprio filme não demora a desaparecer, ressurgindo em espasmos aqui e ali apenas, pois é necessário abrir espaço para a aventura das crianças do orfanato investigando os Pestes e tentando salvar a família de macacos e o sapo, em um vai-e-vem que dilui completamente a história e cuja mensagem sobre a importância de se ter empatia é explicada em detalhes o tempo todo, inclusive com uma narração em off mais lá para a frente, em mais um daqueles exemplos de obras voltadas pra crianças que subestimam completamente os pequenos e sua capacidade de capturar mensagens com bem mais facilidade do que os adultos, cada vez mais “burrificados” pelo vício nas telinhas e nas redes sociais.
O resultado é um filme que tenta dobrar – triplicar, talvez até quadruplicar – a pegada surreal e bizarra de Dahl, mas tudo o que consegue fazer é cansar o espectador já na marca dos 30 minutos, com todo o restante parecendo uma prorrogação infinita que repete, reitera, renova, refaz e repisa a mesma coisa por diversas vezes na base do “porque sim”, sem aproveitar para aprofundar personagens e a mensagem que quer passar. Até mesmo o visual diferente e, como disse, lindamente feio, da produção, passa a não conseguir oferecer mais do que apenas mais do mesmo a partir de certo ponto, dando a distinta impressão de que Os Pestes poderia ser um curta-metragem muito superior ou um episódio de uma série em formato de antologia que adapta outras histórias do autor.
Os Pestes (The Twits – EUA, 17 de outubro de 2025)
Direção: Phil Johnston em codireção com Todd Demong, Katie Shanahan
Roteiro: Phil Johnston, Meg Favreau (baseado em obra de Roald Dahl)
Elenco: Margo Martindale, Johnny Vegas, Maitreyi Ramakrishnan, Ryan Lopez, Natalie Portman, Emilia Clarke, Timothy Simons, Alan Tudyk, Jason Mantzoukas, Nicole Byer, Mark Proksch, Rebecca Wisocky, Charlie Berens, Phil Johnston
Duração: 103 min.
