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Crítica | Os Vampiros (1957)

Modernizando o gótico.

por Luiz Santiago
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Na primeira metade dos anos 1950, o cinema italiano experimentava uma reorganização bem acelerada, especialmente depois da onda Neorrealista. Ali pelo lançamento de Umberto D, muitas coisas começaram a tomar rumos diferentes na cinematografia da bota. As produções voltavam progressivamente a ganhar volume, e estúdios como a Titanus passaram a investir em narrativas que conciliassem o apelo popular e o baixo custo. Foi nessa fase de mudanças que Os Vampiros foi produzido, inicialmente sob direção de Riccardo Freda, com roteiro entregue em apenas um dia e filmagens realizadas em menos de duas semanas. A urgência do cronograma de filmagens, porém, trouxe várias limitações estruturais para a obra, e, antes da finalização, Freda abandonou o projeto. O grande Mario Bava, até então responsável pela direção de fotografia, assumiu a cadeira de diretor e conduziu a montagem das cenas restantes do filme (trabalhando com Roberto Cinquini). Mesmo gostando de muitas coisas da fita, devo dizer que toda essa mudança acaba sendo sentida no resultado, especialmente no senso de previsibilidade e desordem narrativa. Ainda assim, muitas escolhas da obra apontam soluções visuais que só se tornariam recorrentes no cinema de horror italiano da década seguinte, ou seja, esteticamente falando, a obra está alguns passos à frente do seu tempo.

Apesar do título, o filme não é de terror sobrenatural. O “vampiro” em questão é uma invenção da mídia, que batiza um criminoso especializado em drenar sangue de suas vítimas. O texto se organiza como uma investigação policial, cercando noções forenses e buscas ineficazes e meio patéticas. A construção dramática também não é elaborada: o foco está quase neuroticamente na execução funcional de uma história baseada em pistas diretas e ataques frequentes. Giselle (Gianna Maria Canale) traz paralelos com aspectos históricos associados a Elizabeth Báthory (condessa húngara do século XVI, acusada de matar centenas de jovens, ficando conhecida como “Condessa Sangrenta” por supostamente se banhar no sangue das vítimas para manter a juventude), mas os adapta para um contexto pseudocientífico que pouco tem a entregar.

O filme abandona o folclore vampírico tradicional e embarca num terror de laboratório e ambiente urbano. Ainda assim, a estética permanece um tanto gótica: sombras densas, enquadramentos inclinados e contrastes acentuados na fotografia criam uma forte atmosfera de inquietação. Bava transforma o espaço médico em lugar de tensão visual, explorando luzes contrastantes e texturas decadentes e grotescas. A fotografia em preto e branco valoriza muito essas composições. Bava usa o CinemaScope para expandir ambientes internos, fazendo dos espaços mais simples gatilhos para o medo. No todo, o filme segue a lógica de um thriller comum. Interrogações, autópsias e deslocamentos investigativos se alternam, tudo muito comum e meio cansativo. O jornalista Pierre Lantin (Dario Michaelis)  é um dos problemas: ele age como vetor do andamento dramático (que, sim, é bastante objetivo), mas não apresenta conflitos internos ou nuances comportamentais que melhorem sua construção como personagem e, por tabela, seus feitos na história… o que não é bom para o filme.

Embora tenha passado despercebido pelo público italiano à época de seu lançamento, Os Vampiros antecipou soluções narrativas e visuais que mais tarde se tornariam marcas registradas do giallo e do horror italiano. A fusão entre crime, investigação científica e atmosfera gótica forma aqui um esboço embrionário do que Mario Bava levaria à maturidade em A Máscara do Demônio (1960) e O Chicote e o Corpo (1963). Mesmo prejudicado pela velocidade de produção, o filme experimenta enquadramentos oblíquos, contrastes dramáticos de luz e uma tensão entre racionalidade e perversão que se tornaria estrutural no gênero. Roteiro e atuações podem soar tímidos, mas esteticamente a obra aponta para um futuro que o próprio Bava ajudaria a construir… e é exatamente por isso que, hoje, ela deve ser vista como uma semente inaugural do terror moderno na cinematografia italiana.

Os Vampiros (I vampiri / Lust of the Vampire) — Itália, 1957
Direção: Riccardo Freda, Mario Bava
Roteiro: Riccardo Freda, Piero Regnoli, Mario Bava
Elenco: Gianna Maria Canale, Dario Michaelis, Carlo D’Angelo, Wandisa Guida, Angelo Galassi, Renato Tontini, Charles Fawcett, Gisella Mancinotti, Miranda Campa, Antoine Balpétré, Paul Müller, Armando Annuale, Larry Boston, Aristide Catoni, Riccardo Freda
Duração: 82 min.

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