Nunca gostei e continuo não gostando de comédia stand-up, uma afirmação que faço tendo assistido pouquíssimos shows, tão poucos que eles podem ser contados nos dedos de uma mão com sobra. Por outro lado, eu sempre gostei e continuo gostando de Ricky Gervais, seja em razão de suas séries, especialmente The Office, Derek e After Life, seja por suas cinco apresentações inesquecíveis no Globo de Ouro, ainda que eu somente tenha assistido um stand-up dele da grade do Netflix. Portanto, quando descobri que eu estaria em Los Angeles no dia de sua apresentação no icônico Hollywood Bowl, parte da turnê Mortality (que tomei a liberdade de traduzir para Mortalidade) e que ainda havia ingressos a preços acessíveis, não tive dúvidas de que deveria pelo menos experimentar.
Vale salientar que, como vem acontecendo com as turnês recentes de Gervais, Mortalidade também chegará alguma hora no Netflix, mas, muito provavelmente, em uma versão diferente da que assisti, já que o que comediantes como ele fazem é usar as diversas apresentações como laboratórios para montar o “corte final” para a televisão ou streaming, com as piadas mais universais e as que mais deram certo. Dessa forma, é possível que nem todos os meus comentários, aqui, apliquem-se ao que aportar no serviço de streaming em alguns meses da mesma forma que é possível que meu colega Kevin Rick, que aprecia essa arte e que já escreveu sobre SuperNatureza, escreva sobre o que for lançado futuramente para consumo amplo.
Precedendo a aparição de Ricky Gervais na famosa concha do anfiteatro ao ar livre de Los Angeles, eis que tivemos um show de stand-up (não anunciado) de meia hora do comediante Sean McLoughlin que faz shows solos pelo mundo e que já abrira para Bill Burr. Nunca tinha ouvido falar dele, mas imagino como ele deve ter se sentido em um local tão famoso, diante de um plateia de 17 mil pessoas em um show esgotado de Ricky Gervais. Uma responsabilidade enorme, sem dúvida, mas que ele conseguiu lidar bem não seguindo um programa fixo de piadas, mas sim adaptando-se ao momento e revelando um excelente jogo de cintura que lhe permitiu mudar seu set na hora, usando improviso para lidar com o que acontecia diante de seus olhos e insistindo em esquetes que deram certo ou suprimindo outros que não funcionaram tão bem e, no segundo caso, usando a “falha” como elemento cômico, sem desviar-se dela. McLoughlin tem uma pegada observacional, se é que posso chamar assim, fazendo humor do cotidiano e, no esquenta para Gervais, ele funcionou adequadamente, extraindo gargalhadas genuínas da plateia, mesmo que se mantendo dentro de uma linha segura, sem grandes riscos ou arroubos criativos.
Quando Gervais entrou, o anfiteatro explodiu e minha primeira observação, algo que obviamente vale para o show precedente, é que, pelo menos para mim, stand-up não me pareceu funcionar tão bem em um lugar enorme como o Hollywood Bowl. Não me entendam mal, pois o som estava ótimo, cristalino, sem ruídos e os telões permitiam ver a estrela de perto, mesmo que meu humilde lugar tenha sido bem distante do palco como minha foto amadora deixa entrever. O problema não é escutar ou ver, mas sim a dimensão de um show de uma pessoa só em um amplidão daquelas. Não é algo que combinou muito bem para mim, mas isso pode ser o “Ritter que não é fã de stand-up” falando mais alto, mas impressões são impressões e essa foi a minha em uma crítica sobre um show específico de uma turnê que será transformada em especial do Netflix, pelo que não tenho como fugir de passá-la adiante.
Tematicamente, Gervais seguiu a linha de “aproveitar a vida enquanto ainda a temos”, o que dá outro significado ao seu lúgubre título Mortalidade, que parece indicar algo depressivo, mas que é apenas um alerta e um lembrete justamente do contrário. No entanto, nessa linha, ele fugiu com vigor de uma abordagem mais carregada politicamente, deixando sua comédia fluir entre a rabugice de “causos” vividos por ele aqui e ali e o politicamente incorreto, talvez sua maior marca registrada. Felizmente, o comediante desistiu de “explicar” sua incorreção política, preferindo apenas chutar o pau da barraca por completo fazendo piadas com escravidão, nazismo, velhice, problemas físico e mentais e assim por diante, sempre caminhando no fio da navalha entre o cômico e o mau gosto, com diversos momentos que me pareceram verdadeiramente ultrapassar aquilo que ele poderá um dia levar para o streaming.
Mas o que me encanta de verdade em stand-up ou, talvez melhor dizendo, aquilo que eu realmente consigo apreciar nessa arte, é não apenas como o artista cria seu material, mas como ele consegue costurar os assuntos no que é, basicamente, um monólogo de pouco mais de uma hora e, principalmente, como ele mantém o timing do que é contado. Tenho para mim – mas posso estar enganado – que tudo é milimetricamente preparado e ensaiado com extremo cuidado, mas esse cuidado leva a momentos que realmente parecem improvisados, como as risadas de Gervais em preparação ao que falará em seguida ou ecoando o que acabou de falar, exatamente como uma “pessoa normal” conta piadas em uma roda de amigos em uma festa ou um bar. Há um ritmo impressionante no que Gervais derrama em seu público e mesmo as maiores barbaridades parecem tanto naturais quanto autoconscientes do que são, sem que o comediante perca por um segundo sequer o comando do palco simples e essencialmente vazio.
Curiosamente, porém, aquilo que me pareceu inserido especificamente para um show em Los Angeles, ou seja, os comentários de bastidores sobre o processo de aprovação de seus roteiros para as apresentações nos Globos de Ouro, não soaram bem. Ok, foram as “piadas do bis” vindo depois do intervalo de poucos segundos em que ele se afastou do microfone, mas mesmo assim o material deu a impressão de ser velho e cansado, completamente fora do momento, por assim dizer, como um complemento perdido e incoerente em relação ao que veio antes. E, pior, suas piadas nesse ponto foram muito autoindulgentes, batendo na tecla do “eu fiz tudo com total liberdade criativa pois era assim ou eu não aceitaria”, acompanhado da tecla do “nenhuma de minhas piadas foi vetada pela produção” e finalizada com as teclas do “nem os advogados da produtora conseguiram argumentar comigo”. Como eu disse no começo, eu adorei Gervais no Globo de Ouro a ponto de nunca mais ter assistido o show desde que ele deixou de apresentá-lo, mas, aqui, como parte de seu número de stand-up, a coisa soou artificial e datada, sem acrescentar nada de realmente interessante ou particularmente engraçado.
Não me tornei menos ou mais apreciador de Ricky Gervais depois dessa experiência, mas tenho ainda mais certeza de que stand-up não é para mim. Aprecio a arte e o esforço de transmiti-la ao público, mas comédia dessa forma definitivamente não é minha praia (sendo sincero, não sou um grande apreciador de comédia como gênero), especialmente em um local tão grande quanto o Hollywood Bowl. Quem sabe Mortalidade não me ganha quando chegar em sua versão final nas telinhas da televisão? Eu sei que conferirei nem que seja para ver o produto acabado para consumo geral, mas o que eu realmente espero é que Gervais retorne com alguma nova série.
Ricky Gervais: Mortalidade (Ricky Gervais: Mortality – EUA, 2025)
Roteiro e performance: Ricky Gervais
Local: Hollywood Bowl, em Los Angeles – Estados Unidos)
Data: 31 de maio de 2025
Duração: 75 min.
