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Crítica | Shirley (2020)

por Roberto Honorato
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As cinebiografias por vezes seguem um caminho conservador e tedioso, representando uma linha temporal linear e objetiva, que infelizmente é comprometida pela necessidade do seu idealizador em tentar apresentar vários eventos da vida do sujeito da biografia, muitos tendo seu ponto de partida na infância e seguindo a longa jornada do protagonista. Consequentemente, há o risco do longa perder seu foco e resultar em uma obra superficial, dando mais atenção aos pontos de virada da trama ao invés dos temas que poderiam fazer do filme uma experiência única, independente do espectador conhecer a figura biografada.

Em Shirley, a diretora Josephine Decker assume uma posição contrária e opta por contar uma história onde sua figura biografada já encontra-se estabelecida, de certa forma, e constrói seu longa através de um estudo de personagem que ocorre em uma janela de tempo de apenas alguns meses. Com recursos narrativos aparentemente limitadores para alguns, acredito que Decker tem o completo oposto, a possibilidade de explorar suas personagens com um olhar mais íntimo, principalmente quando consideramos que o sujeito da biografia é a escritora Shirley Jackson, mais conhecida por suas novelas de horror.

Contudo, Shirley é um caso curioso. A abordagem de Decker faz com que o filme receba uma atmosfera mais obscura, com sequências abstratas que compõem uma atmosfera bizarra e onírica, como se na verdade estivéssemos assistindo a adaptação de uma das novelas de terror de Jackson. Porém, isso não deixa de lado o viés biográfico, e o roteiro de Sarah Gubbins, adaptado do livro homônimo de Susan Scarf Merrell, acaba tomando bastante liberdade – um leitor da autora pode considerar demasiada – quanto aos eventos da vida da biografada, assim como suas decisões ao retratar a escritora.

Durante o processo de escrita de seu próximo livro, Shirley Jackson (interpretada por Elisabeth Moss) recebe em sua casa Fred (Logan Lerman) e Rose (Odessa Young), um jovem casal procurando abrigo temporário. Fred, que tem como mentor para sua futura entrada no meio acadêmico o crítico literário e cônjuge de Jackson, Stanley Hyman (Michael Stuhlbarg), equilibra seus estudos com a surpresa de que Rose está esperando um bebê. Por sua vez, Hyman precisa lidar com sua tentação em intimidar intelectualmente Fred, ao mesmo tempo que evita perturbar o processo criativo de sua esposa.

Por conta da liberdade tomada na adaptação, o filme corre o risco de afastar o espectador interessado em um retrato fiel de uma escritora tão conhecida, sem contar que estruturar o longa como um drama de suspense pode confundir aqueles que assistem sem todo o contexto da proposta. Ainda que o filme tenha elementos intrigantes, o enredo sofre um pouco por conta de um tom inconsistente, onde biografia, suspense e drama tentam assumir o controle simultaneamente, mas nenhum consegue realmente fazer isso de forma convincente. Ademais, uma montagem mais contida ajudaria para não termos tantas passagens que fazem com que seja difícil se situar em alguns pontos que deveriam ser essenciais, mas acabam soltos e sem conexão alguma com os temas que apresenta. 

Um atmosfera de paranoia é evidenciada principalmente por conta da atuação de Elisabeth Moss. Ótima como sempre, cospe comentários sarcásticos e deixa qualquer ambiente o mais desconfortável possível. Por mais que Stuhlbarg e Lerman tenham um peso na trama, sua presença não é tão forte e acabam entregando algo competente, mas quase esquecível. Por outro lado, Odessa Young é um contraste mais sensível e contraído de Moss, capaz de resistir às provocações de sua anfitriã, pelo menos até certo ponto. A relação entre Jackson e Rose é provavelmente o maior destaque do longa, que se sustenta na forte e perigosa conexão entre duas mulheres lidando com seus ambientes dominados por figuras masculinas. De uma maneira distorcida, Rose parece começar a encontrar uma liberdade que não imaginou existir.

Shirley é uma abordagem diferente de algumas cinebiografias, mas ainda assim cai nas armadilhas de ter uma execução rasa, isso se considerarmos todas as possibilidades proporcionadas pelo formato e os temas que introduz. Felizmente, a experiência tem seu valor por conta de Moss e Young, que deixam envolvente qualquer cena, por mais tediosa que sua apresentação visual seja. 

Shirley — EUA, 2020
Direção: Josephine Decker
Roteiro: Sarah Gubbins, Susan Scarf Merrell (autor da obra original)
Elenco: Elisabeth Moss, Odessa Young, Logan Lerman, Michael Stuhlbarg, Victoria Pedretti, Paul O’Brien, Orlagh Cassidy
Duração: 107 min.

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