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Crítica | Sirât

Vencedor do prêmio do júri no Festival de Cannes.

por Luiz Santiago
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Sirât é um filme divisivo? Eu diria que sim. Mas não daquele jeito batido como nós estamos acostumados a ver, no clássico “ame ou odeie” marcado por mudanças difíceis de defender. Não é o caso aqui. Selecionado pela Espanha para o Oscar de 2026 e coproduzido pelos irmãos Almodóvar, o longa funde referências e similaridades formais ou estéticas com produções cheias de tensão dramática, conceitualização incomum e crueldade narrativa (por forçar o público a sofrer progressivamente) como O Salário do Medo (1953), Zabriskie Point (1970) e, em diversos aspectos, com o universo de Mad Max. E existe um motivo para isso, dado ao público já no título da película. Sirât (caminho), segundo a tradição islâmica, representa a ponte extremamente fina e afiada que atravessa o inferno e sobre a qual todos devem passar no Dia do Juízo Final. Apenas os justos conseguirão atravessá-la com segurança rumo ao Paraíso, enquanto os pecadores cairão no inferno. É desse ponto em diante que começa a tortura do filme, e o espectador nem sabe ainda.

No roteiro que escreve com Santiago Fillol, o diretor Oliver Laxe escolhe a reviravolta a partir de certo ponto da película para, então, mudar completamente o tom e até mesmo a proposta primária da obra. É nesse aspecto que acredito que o filme é divisivo, uma vez que a virada de chave, os sentimentos envolvidos e a maneira como a direção passa a conduzir a fita podem não cair positivamente na análise mais formal de algumas pessoas, sem contar o lado mais pessoal, certamente afetado pelo impacto, intensidade e consequências do que vemos na tela. Ao lado de seu filho Esteban (Bruno Núñez Arjona), Luis (Sergi López) procura por sua filha mais velha, que saiu para participar de uma rave no deserto e desapareceu. Mesmo com montagem ágil e música dominadora, o diretor estabelece de maneira perfeita toda a nuance de entrega, loucura, vazio e busca por algo mais existencial que esses viciados em rave possuem, e é extrapolando essa superfície, mergulhando nesse mar de areia marroquino, que veremos tudo por outro ângulo.   

No meio de toda a situação construída no primeiro grande bloco, que cresce e ganha nuances à medida que outros personagens (Stef, Jade, Tonin, Bigui e Josh) surgem, o filme começa a mostrar outra de suas faces, que é a característica de alienação europeia e de como isso não muda, mesmo quando questões externas muito graves, como uma grande guerra, se apresentam. O texto adiciona gravidade e complexidade a um cenário que já tinha muitos desafios e cumpre, em dado momento, a ameaça trágica, dando novos sentidos às relações entre os personagens, ao conceito de família, à representação da dor e da urgência de movimento quando tudo o que se quer é simplesmente… parar. Em Sirât, a quietude é negada aos personagens, mesmo aqueles que precisam dela para processar o luto, para respirar, para salvar a vida. O diretor deixa cada vez mais claro que não quer que a jornada termine para esses indivíduos, por isso faz com que ela se metamorfoseie em outra coisa, transformando até mesmo os rompimentos em impulso para ação, música e movimento.

Oliver Laxe faz, aqui, uma demolição cuidadosa da ilusão de salvação. A ponte islâmica do título não é uma promessa de salvação, antes, age como uma sentença para todos. Nenhum personagem consegue atravessá-la de fato; todos caem, repetem, retrocedem. A cinematografia de Mauro Herce transforma o deserto em protagonista — um espaço que não oferece piedade, somente espelha o desespero e a ânsia que, contraditoriamente, as pessoas estavam lá para expiar –, e a trilha sonora de Kangding Ray, também premiada em Cannes, aprofunda de propósito a sensação de colapso inevitável. Sirât é, portanto, um filme de martírio. Para aqueles dispostos a enfrentar a travessia com os personagens (a propósito, podem esquecer as promessas de redenção), a obra oferece um dos mais interessantes desafios, talvez um pouco confuso em seu final, mas certamente um dos melhores de sua safra, exatamente porque admite que alguns caminhos não levam a lugar nenhum, e que isso, se pensarmos bem, é tudo o que temos.

Sirât (França, Espanha, 2025) 
Direção: Oliver Laxe
Roteiro: Oliver Laxe, Santiago Fillol
Elenco: Sergi López, Brúno Nuñez, Stefania Gadda, Joshua Liam Henderson, Tonin Janvier, Jade Oukid, Richard Bellamy
Duração: 120 min.

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