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Crítica | Sob Pressão – A Série Completa

Tensão, conflitos e situações emergenciais dominam as cinco temporadas deste excelente drama médico brasileiro.

por Leonardo Campos
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Entre conflitos pessoais e obstáculos para o exercício profissional, o drama médico Sob Pressão é uma excelente série de televisão brasileira que estreou em 2017 e durou até 2022, criada por um talentoso grupo de roteiristas, incluindo Luiz Noronha, Claudio Torres, Renato Fagundes, dentre outros. Com um total de 59 episódios ao longo de todas as suas temporadas, a produção não apenas imerge os espectadores na vida intensa de uma equipe médica de um hospital público do Rio de Janeiro, mas também se destaca por seu compromisso com a autenticidade, abordando questões médicas e humanas com uma profundidade notável. A produção, que deriva do filme de mesmo título lançado em 2016 e se inspira no livro Sob Pressão: A Rotina de Guerra de Um Médico Brasileiro, de Marcio Maranhão, busca oferecer uma representação realista da rotina dos profissionais de saúde em um contexto marcado pela escassez e desafios. Nesse sentido, as suas propostas vão além do melodrama frequentemente encontrado em dramas médicos, focando em conflitos internos, tensões emocionais e a luta diária pela vida em um ambiente adverso: o atendimento emergencial em nosso sistema de saúde publica.

Diante desta proposta, a série captura a essência de um hospital público no Rio de Janeiro, onde a sirene da ambulância é um sinal constante de emergência e necessidade. A produção revela as tensões que permeiam o cotidiano dos trabalhadores da saúde, que, entre um paciente e outro, enfrentam a pressão não apenas para salvar vidas, mas para lidar com suas próprias crises pessoais. Os personagens principais são todos esféricos, construídos em esmero pela sala de roteirista: o cirurgião-chefe Dr. Evandro (Júlio Andrade) e a cirurgiã vascular Dra. Carolina (Marjorie Estiano) mostram como as experiências traumáticas moldam suas atuações profissionais e suas relações. Eles são os pontos nevrálgicos do drama, que evita excessos, mas não deixa de ser enriquecida pelo entrelaçamento de romances e histórias pessoais que, embora importantes, não dominam a trama. Assim, se mantém o foco nos desafios éticos e emocionais enfrentados por médicos e enfermeiros, que precisam agir com agilidade e determinação em cenários frequentemente caóticos, onde a vida e a morte estão em jogo.

Os diversos locais de filmagem utilizados ao longo das temporadas de Sob Pressão foram cruciais para a construção de seu ambiente dramático autêntico. A primeira e a segunda temporada foram gravadas em partes desativadas do Hospital Nossa Senhora das Dores, em Cascadura, proporcionando uma atmosfera crua e realista que reforça a urgência das cenas hospitalares. Com o avanço da narrativa, a série se expandiu para novas locações, como o Educandário Romão de Mattos Duarte no Flamengo, onde o hospital fictício São Tomé Apóstolo ganhou vida, e, posteriormente, o Jockey Clube no Centro do Rio de Janeiro, que trouxe um novo cenário à quarta temporada. Essas mudanças não apenas renovam a estética visual da série, mas também refletem a evolução dos desafios enfrentados por seus personagens, assim como a complexidade da realidade do sistema de saúde pública brasileiro.

A estrutura narrativa, guiada pela direção de fotografia, design de produção, trilha sonora e edição que investem numa linguagem cinematográfica distinguem o programa de outras produções do gênero. Os criadores, por meio de um projeto dramático audacioso, conseguem manter o equilíbrio entre os casos médicos que requerem atenção e os dramas pessoais que permeiam a vida dos médicos, enfermeiros e funcionários do hospital. Esse equilíbrio resulta em uma obra que não apenas entretém, mas também provoca reflexões sobre a condição da saúde no Brasil, o cotidiano desgastante dos profissionais da saúde e os dilemas éticos que surgem em situações extremas. Além disso, o elenco, ao retratar os desafios e emoções com tamanha intensidade, proporciona ao público uma experiência empática, aproximando-o das realidades que muitos enfrentam diariamente em hospitais públicos ao redor do país.

Na primeira temporada, acompanhamos o Dr. Evandro, um cirurgião-chefe cético e viciado em trabalho e remédios, que enfrenta uma profunda depressão após a morte de sua esposa durante uma cirurgia de emergência. Ele divide a cena com a Drª Carolina, uma cirurgiã vascular religiosa e otimista, que lida com suas próprias feridas emocionais. Juntos, eles são parte de uma equipe médica dedicada que também inclui Décio (Bruno Garcia), o clínico-geral discreto; Amir (Orã Figueiredo), o anestesista envolvido em um romance; e outros profissionais que enfrentam diariamente os desafios e a pressão de trabalhar em um hospital público no subúrbio do Rio de Janeiro. Samuel (Stepan Nercessian), o diretor do hospital, enfrenta a difícil tarefa de garantir a infraestrutura e os materiais necessários, lidando com a corrupção que permeia a administração, enquanto sua equipe batalha contra a escassez de recursos.

Na segunda temporada, a narrativa se intensifica com o sequestro de Evandro, que é salvo por Carolina, surpreendendo-o ao fazer um pedido de casamento. A entrada da nova diretora Renata (Fernanda Torres), proveniente do setor privado, traz uma reviravolta ao hospital, onde a corrupção se torna ainda mais evidente. Renata, que inicialmente promete melhorias, começa a implementar esquemas pessoais que comprometem a integridade do hospital. Este enredo revela a dinâmica complexa dos profissionais de saúde que, sob pressão constante, tentam manter a moral e a humanização do atendimento, ao mesmo tempo em que enfrentam crises internas e externas que ameaçam a vida dos pacientes e a estabilidade da equipe.

Na terceira temporada de Sob Pressão, após o fechamento do hospital Macedão devido a uma administração inadequada, os médicos Evandro, Carolina e Keiko passam a atuar no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Durante uma emergência em que faltam vagas nos hospitais da cidade, eles se dirigem ao hospital São Tomé Apóstolo, onde Décio trabalha como clínico-geral e Rosa é recepcionista. A madre superiora do hospital convida Evandro a reativar o centro cirúrgico e assumir a direção, mas, ao longo da temporada, ele se revela mais competente como cirurgião do que como gestor, levando Décio a assumir a posição de diretor. A trama se aprofunda nos dramas pessoais da equipe, como a tensão crescente entre Evandro e Carolina, e a introdução da epidemiologista Vera (Drica Moraes), que, assim como os protagonistas, carrega traumas do passado. Além disso, a equipe enfrenta os impactos da violência urbana em uma área dominada por milícias, ressaltando as dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde.

Na quarta temporada, a equipe médica integra o hospital Edith de Magalhães, referência na capital fluminense, em homenagem à enfermeira pioneira na saúde. Os vínculos pessoais de Carolina e Evandro são testados com a chegada de um bebê ao hospital, Francisco, gerando um turbilhão emocional que obriga o casal a confrontar novas questões familiares. Antes desta temporada, foi lançada uma edição especial intitulada Sob Pressão: Plantão COVID, onde Carolina e Evandro, após uma missão humanitária no interior do Brasil, retornam ao Rio de Janeiro para trabalhar em um hospital de campanha enfrentando a COVID-19. Durante esse período crítico, Evandro contrai o vírus, sendo entubado por sua equipe, enquanto Carolina vive momentos de desespero ao vê-lo lutar pela vida. A série não apenas retrata a batalha contra a doença, mas também revisita os motivos que levaram Evandro a se tornar médico, destacando as marcas emocionais que o moldaram ao longo de sua trajetória.

Na quinta temporada de Sob Pressão, a equipe do Hospital Edith de Magalhães enfrenta as consequências de uma rotina desgastante que revela as marcas do sofrimento emocional oculto. A relação de Evandro e Carolina fica mais tensa quando ele descobre que seu pai, Helano (Marco Nanini), que não vê há mais de 20 anos, o está à procura, trazendo à tona resquícios de um passado complexo. Carolina também revê um antigo amor, complicando ainda mais a dinâmica do casal. Vera assume a nova direção do HEM e precisa lidar com desafios tanto profissionais quanto pessoais. A temporada ainda se destaca pela saída trágica de um personagem do elenco principal, o que acrescenta uma camada de dramaticidade e intensidade emocional à narrativa.

O retrato da realidade hospitalar na série é contundente, evidenciando a carência de materiais, leitos e equipamentos funcionando, refletindo uma crise que é frequentemente noticiada. Além disso, o drama médico aborda problemas sociais graves, como pacientes vítimas de violência armada e mulheres agredidas, bem como moradores de rua em estado crítico que buscam tratamento e abrigo no hospital. A obra faz uma importante humanização da figura do médico, mostrando que eles enfrentam seus próprios conflitos e fragilidades, enquanto se dedicam incansavelmente ao cuidado dos pacientes. Assim como na vida real, a série destaca o amor e a paixão que a maioria dos profissionais de saúde tem pelo seu trabalho, tornando evidente que, apesar das dificuldades, eles se esforçam para fazer o melhor possível em meio ao caos.

Ademais, a narrativa seriada oferece uma reflexão crítica sobre a dinâmica da atenção médica, desafiando mitos frequentemente associados à prática da saúde. Na trama, os médicos mostram-se extremamente atenciosos e profundamente envolvidos com as questões dos pacientes, o que contrasta com a realidade das instituições de saúde pública, onde a jornada de atendimento é marcada pela escassez de recursos e pelo elevado número de pacientes que aguardam para serem atendidos. A idealização da presença constante de médicos disponíveis no momento em que as ambulâncias chegam também não reflete a prática cotidiana, onde o sistema muitas vezes luta para manter um número suficiente de profissionais capacitados para atender a demanda.

Embora a série utilize elementos ficcionais, ela consegue destacar problemas reais do Sistema Único de Saúde (SUS) que são frequentemente subestimados ou ignorados, trazendo à tona a urgência de reformas e melhorias nesse setor. A narrativa faz com que os telespectadores se conectem emocionalmente às questões expostas, criando uma plataforma para discussões sobre saúde pública que muitas vezes são marginalizadas na mídia. Além disso, para médicos e estudantes de medicina, a série revela dilemas éticos e clínicos que são pertinentes à vida real, como os desafios enfrentados durante a pandemia de COVID-19, onde decisões difíceis sobre quais pacientes intubar, devido à escassez de respiradores, tornaram-se comuns. Essa representação autêntica das dificuldades e angústias vividas nas instituições de saúde pública proporciona uma valiosa conscientização sobre o papel vital que esses profissionais desempenham na sociedade, destacando a necessidade de um compromisso coletivo com a saúde pública.

A televisão brasileira frequentemente nos presenteia com produções que abordam temáticas sociais pertinentes à realidade do país. Sob Pressão é um exemplo significativo, que, através do seu enredo envolvente, revela os desafios enfrentados por médicos e profissionais da saúde na luta diária contra a precariedade do sistema de saúde brasileiro, particularmente em se tratando do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS, criado em 1990, é um dos maiores programas de saúde pública do mundo, com a finalidade de garantir que todos os cidadãos tenham acesso a serviços de saúde de qualidade, gratuitamente. A produção demonstra de forma impactante as dificuldades que permeiam a realidade do SUS. A série se ambienta em um hospital público, onde os médicos, liderados por personagens carismáticos e falhos, enfrentam não apenas a pressão de salvar vidas, mas também a falta de recursos, a superlotação, e a desestruturação das políticas de saúde.

Assim, um dos aspectos mais relevantes que a produção aborda é a humanização do atendimento. Os personagens não são apenas médicos; são também pessoas que lidam com suas próprias emoções e dilemas éticos. As situações apresentadas na série são intensas e frequentemente refletem dilemas reais enfrentados pelos profissionais de saúde no Brasil. A pressão para realizar atendimentos rápidos, a necessidade de tomar decisões em situações de vida ou morte, e a frustração diante de um sistema que muitas vezes não oferece o suporte necessário são retratadas com sensibilidade, fazendo com que o público se identifique com as histórias apresentadas. Outro ponto a ser destacado no drama médico é a empatia e a solidariedade que emergem em meio ao caos. Apesar das dificuldades, os personagens mostram que é possível fazer a diferença. Eles se unem, buscam alternativas, e ajudam uns aos outros enquanto tentam proporcionar o melhor cuidado possível aos pacientes. Isso simboliza a essência do SUS, que é a ideia de que a saúde é um direito de todos e que a coletividade deve estar unida no enfrentamento das adversidades.

Entretanto, a série também não hesita em criticar a desvalorização dos profissionais da saúde e a falta de investimentos adequados no sistema público. Os episódios expõem como, apesar da importância fundamental do SUS, muitos profissionais se sentem desmotivados e sobrecarregados, levando a um esgotamento emocional que, em raras ocasiões, é tratado nas discussões sobre saúde pública. Este retrato reflete uma realidade alarmante: o adoecimento dos profissionais de saúde que, em suas tentativas de cuidar dos outros, acabam negligenciando seu próprio bem-estar.  Sob Pressão também ressalta as políticas públicas de saúde, muitas vezes influenciadas por apelos eleitorais e interesses políticos. As decisões que deveriam ser baseadas na saúde da população frequentemente são distorcidas por burocracias e falta de comprometimento em resolver os problemas estruturais do SUS. A crítica a essas práticas pode ser vista como um convite à reflexão sobre as reformas necessárias para que o sistema de saúde se torne verdadeiramente eficiente e acessível a todos.

Uma série incrível, de personagens cativantes e reflexões que a tornam mais que entretenimento.

Sob Pressão: A Série Completa (Brasil – 2017-2022)
Criação:Jorge Furtado, Lucas Paraizo
Direção: Andrucha Waddington, Mini Kert, Rebeca Diniz
Roteiro: Luiz Noronha, Claudio Torres, Renato Fagundes, Jorge Furtado, Lucas Paraizo, Márcio Alemão, André Sirangelo, Pedro Riguetti , Flavio Araujo
Elenco: Júlio Andrade, Marjorie Estiano, Stepan Nercessian, Tatsu Carvalho, Orã Figueiredo, Pablo Sanábio, Heloísa Jorge, Ângela Leal, Emiliano Queiroz, Talita Castro, Natália Lage, Bruno Garcia, Josie Antello, Júlia Shimura, Alexandre David Drica Moraes, Fernanda Torres
Duração: 59 episódios/42 minutos cada.

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