Em sua segunda parceria seguida com Jessica Chastain, o cineasta Michel Franco entrega para a atriz outro relacionamento complicado. Em Memórias, a assistente social Sylvia (Chastain) tem sua vida entrelaçada com a de Saul (Peter Sarsgaard), que tem demência precoce e, agora, em Sonhos, a atriz vive Jennifer McCarthy, uma milionária filantropa divorciada que tem um relacionamento quente com Fernando Rodriguez (Isaac Hernández), um dançarino mexicano bem mais novo que ela. O que Franco procura expor, aqui, são, de um lado, as relações de poder, e, de outro, uma ambição desnorteada, e, para fazer isso, ele evita os maniqueísmos óbvios mesmo que, no final das contas, o que ele acabe criando resvale em um didatismo repetitivo.
Franco escreve Jennifer como uma filantropa genuína, mesmo que exista, inevitavelmente, aquela lógica de fazer caridade para tirar um peso dos ombros por sua família ser abastada, mas seu relacionamento com Fernando, apesar de repleto de sexo, só realmente existe para ela quando o mexicano não é um ônus para sua vida organizada e subserviente ao que o pai e o irmão acham dela. Na outra ponta, Fernando é um jovem que deseja subir na vida de dançarino sem esperar os meandros normais e especialmente não na Cidade do México onde mora com os pais. Ele não é um miserável que passa fome e a sequência inicial em que o vemos imigrar ilegalmente para os EUA é sua tentativa de voltar para Jennifer não exatamente por amá-la, mas sim para usá-la como escada. Não que os dois não se gostem, vale afirmar, pois eles se gostam, mas o que Michel Franco faz questão de fazer é deixar claro que, acima de uma relação de carinho e – com boa vontade – amor, há uma relação de conveniência.
Os enquadramentos do diretor e roteirista são perfeitos para mostrar o vazio e a impecabilidade da organização da vida de Jennifer, com a fotografia do belga Yves Cape (do soberbo Holy Motors e que trabalhou com Franco em Sundown) esfriando as cores quando Jennifer não está com Fernando, deixando apenas o cabelo ruivo da atriz e seus figurinos perfeitos produzirem calor. Quando Fernando entra em cena, mesmo nos ambientes vazios e descoloridos, Cape investe em pequenos detalhes que fazem com que sua fotografia reflita os diálogos e as ações que quase inevitavelmente levam ao sexo ou, pelo menos, mencionam o sexo. O exercício estilístico de Sonhos é belíssimo, mas carrega um pouco do didatismo repetitivo que mencionei no parágrafo de abertura. As imagens reagem à proximidade da dupla protagonista como que para manter o espectador sempre ciente do que eles sentem um pelo outro, um sentimento completamente solto no que se refere ao lado carnal, mas represado em todo o restante.
No que se refere às cenas de sexo, Franco as usa como prenúncio do encerramento de seu longa, encerramento esse que, desde a primeira tomada, fica implícito de que não será feliz. Em Sonhos, o sexo é animalesco, viril, sujo e um pouco violento, nunca de maneira tão vazia quanto no recente Babygirl, mas também jamais com o tipo de erotismo aperfeiçoado por Adrian Lyne. O diretor faz questão de ficar em um meio termo desagradável, por vezes tentando chocar com verborragia explícita, outras criando cenas de “sexo na escada” que são tão clichê quanto improváveis no mundo real. Mas tudo funciona, pois é como a disrupção da vida regrada de Jennifer e a literal subida de degraus por parte de Fernando que, não demora, encontra lugar em uma companhia de balé de São Francisco.
Diferente do que se pode imaginar, o filme não é sobre imigração ilegal de mexicanos para os Estados Unidos, mesmo considerando o ambiente atual que vivemos. Aliás, diria que a forma como Franco lida com esse problema chega a ser quase romântica, sendo não mais do que um obstáculo que Fernando chega a ser viciado em transpor, mesmo, como eu já disse, tendo boa moradia e uma família amorosa no México. Sua ambição fala mais alto e correr perigo atravessando a fronteira no baú de um caminhão parece ser seu pico diário de adrenalina, por assim dizer, e não algo que seja parte do comentário crítico de Franco. E não se pode sequer falar em oportunidade perdida, pois, primeiro, o filme não é mesmo sobre isso e, segundo, as batidas anti-imigração do governo americano atual começaram após o final das filmagens do longa.
Não gosto da espiral claustrofóbica das duas sequências finais, uma mais alongada e violenta, apenas entre os dois, e outra breve e chocante com a entrada de outros personagens. Nem é o caso de que Franco não estava apontando para algo nessa linha, mas a mudança, mesmo assim, é brusca demais, fria demais, forte demais. Não que isso seja novidade na filmografia do cineasta, mas, aqui, a nuança vai pela janela, nuança essa que ele não é particularmente feliz em manter o tempo todo, mas que, quando o final se aproxima, sequer existe mais, tornando tudo muito preto ou branco, seco ou molhado, sem nenhum pingo de meio termo, de equilíbrio, de forças opostas em tensão, mas nunca explosão.
Como veículo para reafirmar o estrelato de Jessica Chastain e construir o de Isaac Hernández e como comentário sobre a caridade com um preço e os atalhos viciantes, Sonhos funciona muito bem, mesmo sacrificando um pouco da naturalidade e se valendo de idas e vindas que parecem intermináveis. No entanto, como um longa que leva essas críticas a consequências fluidas, sem precisar recorrer a estratégias para deixar o espectador artificialmente de queixo caído, Sonhos falha. Mesmo assim, a balança pende para o lado positivo quando esses dois aspectos são entremeados na fronteira audiovisual.
Sonhos (Dreams – EUA/México, 2025)
Direção: Michel Franco
Roteiro: Michel Franco
Elenco: Jessica Chastain, Isaac Hernández, Rupert Friend, Marshall Bell, Eligio Meléndez, Mercedes Hernández
Duração: 95 min.