- Há spoilers.
Como comentei em Fechando o Rombo, os personagens centrais de South Park estão perdendo espaço nesta nova temporada e não poderia haver prova maior disso do que Baba-Ovo em que somente Stan aparece e, mesmo assim, por apenas alguns segundos no contexto maior de um jantar de família. Olhando a curto prazo, isso não é, de forma alguma, um problema sério, pois Trey Parker tem muito material “da vida real” para focar e nem sempre ele consegue fazer a ponte entre as quatro crianças e as histórias que deseja contar, e, vamos combinar, essa ponte também não é sempre essencial. No entanto, há que tomar cuidado com isso, pois Cartman, Kenny, Kyle e Stan continuam sendo a alma da série, mesmo depois de 27 temporadas, um longa-metragem cinematográfico e alguns especiais para a TV e mantê-los muito tempo como coadjuvantes de luxo pode ter a tendência de fragmentar South Park.
Feito esse preâmbulo, o terceiro episódio da 27ª temporada da série foca em Randy Marsh e sua Fazenda Tegridade em que ele planta maconha há diversas temporadas. O gatilho narrativo, que, claro, continua a avassaladora crítica da temporada ao governo de Donald Trump, é a chegada do I.C.E. por ali, que leva embora todos os mexicanos que trabalham na fazenda, deixando Randy sozinho com Toalhinha sem perspectivas de futuro como tem acontecido de verdade em algumas fazendas americanas em razão dessa política insana. Desesperado, Randy recorre ao ChatGPT que, então, para desespero de Sharon, o ajuda a montar um plano para impedir a falência, plano esse que consiste em conseguir de volta um mexicano (um, somente um) e enviar Toalhinha para uma Washington D.C. militarizada (e com as efígies das mais famosas estátuas mudadas para a de Trump e seu micro pênis) para que ele essencialmente faça uma oferenda à la O Retorno de Jedi ao Todo-Poderoso Imperador Laranja em troca da legalização da maconha em todos os estados e, com isso, permitir a expansão da operação que é renomeada como Techridade e se transforma de fazenda de maconha em “plataforma de maconha”, uma hilária e perfeita paródia das reinvenções vazias de empresas.
Diferente dos dois episódios anteriores da temporada, que lida com várias frentes simultâneas, aqui Parker é econômico e direto, mas com um resultando um tanto quanto repetitivo, já que tudo o que ele tem para mostrar é, de um lado, a crescente dependência de Randy pela inteligência artificial que é equalizada em todos os aspectos com seu vício em quetamina e, de outro, a subserviência das corporações ao presidente americano que, como um paxá, senta-se na Casa Branca para receber presentes e dispensar favores, algo que o episódio usa para descer pesadamente a lenha em empresários como Tim Cook e Mark Zuckerberg, além de diretamente acusar Trump de receber suborno. Como não me canso de repetir, o que vemos é Parker correndo atrás da realidade que deveria ser exclusiva de animações ácidas como South Park e não a realidade real, digamos assim, já que tanto o vício em I.A. pelo público em geral (sim, estou falando com você!) como o mundo corporativo dobrando-se ao Trump estão aí para qualquer um que quiser ver.
E, entre mortos e feridos, a Fazenda Tegridade parece que se foi de verdade, eliminando um artifício narrativo antigo da série e mudando o status quo da família Marsh (não é sensacional quando Sharon se faz de I.A.?), e o coitado do Toalhinha torna-se a maior vítima da brutalidade da sátira destruidora de Trey Parker, passando a ser o “trapo de masturbação” (minha tradução para cum rag que é mencionado pelo Tatu, digo, Vance, que, na legenda em português que fui conferir de curiosidade, virou um inexplicável “camarada”) de Trump no banheiro da Casa Branca, de onde nem mesmo Satã consegue escapar. Seria o triste fim do drogadíssimo personagem que existe desde a quinta temporada? Só o tempo – e provavelmente o próximo episódio – dirá!
Mais uma vez, Parker acerta em cheio em suas críticas venenosas e muito verdadeiras, mesmo sacrificando o uso da quadra central de personagens e também arriscando-se a uma certa repetição de temas entre os dois núcleos principais de Baba-Ovo. Não chega ao mesmo nível dos dois primeiros episódios da temporada por essas razões, mas, o nível de qualidade geral é, ainda bem, mantido, sem nenhum tipo de suavização à pegada direta e sem freio sobre o que inacreditavelmente acontece com os EUA no momento.
South Park – 27X03: Baba-Ovo (South Park – 27X03: Sickofancy – EUA, 20 de agosto de 2025)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker
Elenco (vozes originais): Trey Parker, Matt Stone, April Stewart
Duração: 22 min.