- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.
Depois de um hiato de quase dois anos, Star Trek: Strange New Worlds retorna com a resolução de Hegemony em uma segunda parte da season finale, antes de dar o pontapé para o novo ano com um capítulo mais episódico. A dupla que abre a terceira temporada traz o mesmo tom e estilo da série, indicando mais um ano de alternações entre batalhas espaciais tensas com capítulos intimistas. Estou muito feliz com o retorno de SNW! Preparados?
3X01
Hegemony, Part II
Como o título não deixa enganar, a estreia da terceira temporada quer retomar a tensão épica deixada pelo final do segundo ano. Até certo ponto, penso que o hiato longo quebra o momentum da dupla de episódios (tenho certeza que, quem assistir em sequência, não terá o mesmo problema), mas, mesmo assim, Hegemony, Part II entrega em boas doses o escopo e a urgência esperadas depois que nos lembramos do contexto desse bloco. O retorno pleno da trama dos Gorns com a guerra iminente com a Federação em um show de efeitos espaciais reforça, outra vez, que Strange New Worlds não é apenas uma série de uniformes bonitos e ótimo design de produção: é um espetáculo espacial que sabe usar seu elenco e orçamentos para criar momentos cinematograficamente interessantes.
Das manobras evasivas, uma nave virando um conduíte de estrelas, um “porão” inteiro de reféns comestíveis e uma bela e velha ação espacial, o capítulo entrega ótimos momentos de entretenimento. Claro que existem limites técnicos, com a montagem sempre cortando determinadas perseguições para esconder o orçamento, mas Hegemony, Part II vende bem o sci-fi de adrenalina e de imersão visual que a série promete em seu título (sei que não vimos nenhum “mundo” estranho aqui, mas vocês entenderam). No coração de tudo isso, temos o dilema de Pike, que, como esperado, decide que salvar é mais importante do que obedecer, apesar de respeitar a hierarquia. A cena dele com seu superior é excelente, dançando entre normas para fazer o certo, em uma escolha que o coloca novamente na linha de fogo política e afetiva. Nosso protagonista está criando um novo padrão de liderança: humano, empático e arriscando tudo pelos seus.
No cerne da operação, temos o grupo que foi capturado, com Ortegas, La’an e M’Benga liderando o resgate, em mais um trabalho coletivo coeso, onde todos encontram suas cenas como integrantes e engrenagens de uma missão relativamente intensa – digo relativamente, porque penso que a narrativa explora pouco o núcleo dentro da nave dos Gorns, até subutilizando os monstrinhos. Mas voltando à coreografia entre personagens, Ortegas, em especial, sofre fisicamente e emocionalmente para ancorar a tripulação, enquanto La’an oferece olhos atentos e experientes para desvendar sabotagens. Já na nave, em uma série de diálogos expositivos simpáticos e resoluções convenientes carismáticas, temos o clássico vai e vem de eurekas, lógicas e infodump de termos sci-fis para chegarmos no clímax em que todos voltam para casa, que Spock e Chapel salvam a mulher do capitão, e que, temporariamente, param uma guerra.
Vale também ressaltar o novo Scotty, que é um sopro de frescor imediato. Sua presença é carismática, engraçada e funcional, com ótima química do ator com Carol Kane. Aliás, o elenco como um todo está bem eficiente aqui, dinamizando um roteiro relativamente clichê, mas bem arranjado, bem decorado e bem dirigido. O fato de Hegemony, Part II ser mais ação militar do que horror, bem como por parecer mais final de temporada do que início, são ressalvas que valem serem mencionadas, mas o capítulo cumpre bem sua proposta: entrega ação, personagens bem colocados e visual impactante. Faz com que a temporada comece com o pé no acelerador. A fraqueza na segunda trama horror-scifi não afeta seu impacto geral: estamos, de novo, com trilhos rumo à próxima grande batalha. E isso já basta para nos fisgar.
3X02
Wedding Bell Blues
Do universo caótico de naves incandescentes, em Wedding Bell Blues a série faz o que normalmente temos visto: volta para o drama espacial desacelerado; colora e recalibra o coração da Enterprise enquanto equilibra com leveza o peso de relacionamentos complicados, protocolos culturais e relações que valem mais do que correlatos interestelares. Sinto, sim, que é uma alternância meio abrupta, sem lidar com as consequências do que vimos antes, mesmo com o salto temporal de alguns meses – a exceção seria o PTSD de Ortegas, que soa intrigante para o arco da personagem destemida e sempre em busca de aventura -, mas a sequência de eventos é orgânica dentro do que a série vem propondo. O caráter episódico mesclado com o sequencial é uma delícia de ver também.
A trama, aqui, gira em torno da celebração do aniversário de 100 anos da Federação, que serve de pano de fundo para um capítulo mais intimista focado no relacionamento de Spock e Chapel, que estão separados desde que a mesma foi participar de um estágio. Entusiasmado com o retorno da amada, Spock é pego de surpresa quando ela chega com um novo namorado, uma decisão meio cretina do roteiro que faz Chapel soar um pouco descaracterizada, mas que serve de estopim para continuarmos o estudo de personagem do vulcano. Entre constrangimentos, embaraços e decepções, temos uma narrativa que desenvolve suavemente Spock, enquanto o distancia de Chapel.
No meio de tudo isso, claro, não poderia faltar um twist sci-fi: uma criatura poderosa altera a realidade, criando uma cerimônia onde a equipe está se preparando para celebrar o casamento de Spock e Chapel. Tudo é meio bobo, sem um conflito engajante ou resoluções surpreendentes, mas o texto é bem humorado, com boa participação de Rhys Darby como o “deus” travesso da vez, e dramas que reforçam que a série não é apenas jornada espacial: é a busca por laços, afetos e a forma como se vive em meio ao cosmos. Falta aquele algo a mais para temperar melhor a história, mas Wedding Bell Blues é um capítulo razoável dentro do que propõe, esticando alguns arcos curiosos em tangentes (o amadurecimento de La’an, o trauma de Ortegas), e dando foco para o amor conturbado de Spock e Chapel, mais uma vez no centro das atenções (sobra até um espacinho para o capitão e sua amada terem um momento fofo).
Star Trek: Strange New Worlds – 3X01 e 02: Hegemony, Part II / Wedding Bell Blues (EUA, 17 de julho de 2025)
Desenvolvimento: Akiva Goldsman, Jenny Lumet, Alex Kurtzman (baseado em personagens criados por Gene Roddenberry)
Direção: Chris Fisher (1X01), Jordan Canning (1X02)
Roteiro: Davy Perez, Henry Alonso Myers (1X01), Kirsten Beyer, David Reed (1X02)
Elenco: Anson Mount, Ethan Peck, Jess Bush, Christina Chong, Celia Rose Gooding, Melissa Navia, Babs Olusanmokun, Rebecca Romijn, Martin Quinn, Carol Kane, Rhys Darby, Dan Jeannotte, Melanie Scrofano, Cillian O’Sullivan
Duração: 48 min. (1X01), 50 min. (1X02)