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Crítica | “Sujeito Estranho” – Ney Matogrosso

Forte respiro.

por Iago Iastrov
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Sujeito Estranho é um trabalho bastante direto de Ney Matogrosso, quase um disco de transição antes dos hits tecnopop que viriam nos anos seguintes. E funciona muito bem, mesmo que não brilhe com a mesma intensidade o tempo inteiro. Gravado para cumprir o contrato do artista com a WEA antes de migrar para a Ariola, o álbum foi produzido pelo maestro uruguaio Miguel Cidras, parceiro de longa data de Raul Seixas e responsável por clássicos como Sandra Rosa Madalena. Cidras trouxe para Ney uma sonoridade limpa e elegante, privilegiando a clareza daquela voz cristalina que já era marca registrada.

O repertório é inteligente: apenas duas inéditas (Napoleão e a faixa-título) cercadas por regravações criteriosas que mostram Ney colocando seu tempero vocal em canções icônicas. Napoleão, das parceiras Luli e Lucinha, abre o disco com uma alfinetada política (à ditadura e aos ditadores) disfarçada de circo, enquanto Sujeito Estranho, de Oswaldo Montenegro, funciona como manifesto pessoal sobre identidade e (na interpretação de muita gente) sexualidade. É Ney assumindo quem é sem precisar gritar. As regravações revelam um intérprete maduro. Ando Meio Desligado, clássico dos Mutantes, ganha uma pegada mais funk nas mãos de Cidras, perdendo a psicodelia original, mas ganhando base dançante. Já Um Índio, de Caetano, e O Seu Amor, de Gil, conectam o álbum ao tropicalismo com interpretações respeitosas que não caem no pastiche.

Angela Ro Ro aparece duas vezes no disco (Não Há Cabeça e Balada da Arrasada), e Ney trata suas composições com delicadeza especial. Em Balada da Arrasada, principalmente, a seção de metais transforma a balada original numa declaração pop-soul cinematográfica que antecipa tendências dos anos 1980. O ponto mais intimista fica com a faixa-título, onde Ney aparece acompanhado apenas por violão, viola e cordas. É um momento de confissão transformado em arte, Montenegro ganhando nova dimensão através daquela voz única que consegue fazer qualquer letra soar como autobiografia.

Barco Negro (aqui como Mãe Preta) e Rio de Janeiro, de Ary Barroso, são exercícios vocais interessantes, mas não tenho certeza se o caminho tomado para a produção das faixas era esse mesmo. O arranjo de gafieira do clássico de Ary até impressiona tecnicamente, mas destoa do clima geral do álbum. São os únicos momentos onde a curadoria falha um pouquinho. O encerramento com Doce Vampiro, de Rita Lee, recupera o clima de sensualidade andrógina que perpassa todo o trabalho. É noite, é mistério, é Ney sendo Ney sem forçar nada. O arranjo privilegia atmosfera sobre virtuosismo, criando o clima perfeito para o fechamento.

Tecnicamente, o álbum se beneficia da experiência de Cidras em criar sonoridades claras sem sacrificar complexidade. Marcinho nos teclados, Jorjão no baixo e Rick nas cordas formam uma base sólida que serve de tapete para aquela voz cristalina flutuar sem esforço. Sujeito Estranho não revoluciona nada, mas essa também pode ser sua força. É Ney Matogrosso em modo de segurança, consolidando uma linguagem sem precisar se provar. A voz continua encantando, as escolhas são inteligentes e o resultado é um álbum gostoso de ouvir e que funciona tanto para fãs quanto para quem está descobrindo o artista. Não está, qualitativamente, nas alturas, mas é Ney sendo bom no que faz melhor: transformar canção em experiência e sensação.

Aumenta!: Um Índio
Diminui!: 

Sujeito Estranho
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1980
Gravadora: WEA
Estilo: MPB, Pop, Rock, Samba, Soul, Funk
Duração: 36 min.

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