Personagens em quadrinhos bem estabelecidos no imaginário popular precisam de constantes reinvenções para perpetuarem-se e atravessar gerações. Há uma infinidade de fórmulas para fazer isso, de mortes chocantes seguidas de ressurreições que ganham atenção da mídia, passando por mudanças em poderes, uniformes ou base de operações e chegando até mesmo ao refazimento de universos inteiros. Uma das mais interessantes tendências do mercado editorial que vem pelo menos desde a seminal Batman – O Cavaleiro das Trevas é contar a “última história do personagem” valendo-se de saltos temporais que permitem que o leitor testemunhe pelo menos um futuro possível, mesmo que, lá no fundo, não haja nada de “última” na história. Em outubro de 2020, foi a vez das Tartarugas Ninja ganharem esse tratamento, com Kevin Eastman retornando ao roteiro ao lado de Tom Waltz a partir de uma ideia dos dois e de Peter Laird em uma minissérie que, apesar de ter apenas cinco edições, só acabou em abril de 2022 e de imediato gerando derivados e uma continuação.
O Último Ronin leva o leitor a uma Nova York em um futuro distópico em que a cidade, agora murada, é controlada a ferro e a fogo pelo Clã do Pé, com as Tartarugas Ninjas e o Mestre Splinter devidamente eliminados. Ou pelo menos é isso que todo mundo achava, pois eis que um das tartarugas, longe de ser adolescente e agora um ronin, ou seja, um samurai sem mestre, retorna para vingar-se da morte de seus irmãos e mentor em uma fúria assassina que é arrefecida pela descoberta de que April ainda está viva também, com uma filha já crescida à tiracolo, vivendo no submundo da cidade e comandando uma constante, mas tímida rebelião. Como se pode notar, a premissa, obviamente, está longe de ter algum resquício de novidade e muito de seu valor depende de revelações supostamente chocantes sobre o que aconteceu com Splinter e seus pupilos e com o quelônio ronin que vem se vingar anos após desaparecer, além do grau de violência que tenta fazer o leitor lembrar da pegada mais crua de Eastman e Laird no começo de suas carreiras nos quadrinhos que, ao longo das décadas foi tremendamente suavizada no audiovisual.
Infelizmente, porém, tudo o que a minissérie consegue fazer é apoiar-se demasiadamente em respostas à perguntas que sequer são realmente feitas e em uma violência que é tudo menos crua e visceral, sendo muito mais algo calculado milimetricamente para dizer ao leitor que o material é para gente madura, como se amadurecer fosse sinônimo de emburrecer. Afinal, Eastman e Waltz trocam narrativa por pancadaria, construção de personagens por sanguinolência e lógica interna por sequências de ação cada vez mais espalhafatosas e ao mesmo tempo vazias. Quando alguém se encarrega de construir uma história desse tipo que é tão comumente usado por aí, automaticamente carrega consigo o ônus de fazer algo que realmente traga valor, que efetivamente tenha diferencial, como foi, obviamente, o próprio surgimento das Tartarugas Ninja no já longínquo ano de 1984, mas O Último Ronin é praticamente o oposto disso: as mortes das tartarugas e de Splinter parecem ser apenas detalhes mal explorados que estão ali apenas e tão somente como gatilhos narrativos para justificar a pegada em tese mais sombria que os roteiristas acham que a minissérie tem.
Ainda que a arte de Esaú Escorza, Isaac Escorza e Ben Bishop seja dinâmica e eficiente para materializar aquilo que Eastman e Waltz escreveram, ela não consegue fazer milagre e não é espetacular o suficiente para justificar aquela leitura que é mais uma desculpa para observar os traços dos artistas do que para efetivamente absorver a palavra escrita. No final das contas, Tartarugas Ninja: O Último Ronin é muita promessa e pouca entrega, não passando de uma premissa chamariz – que, com o marketing pesado por trás acabou fazendo enorme sucesso mesmo com o atraso absurdo no lançamento das edições – para satisfazer uma curiosidade que, lá no fundo, não existe de verdade, mas que mesmo assim poderia resultar em algo legítimo e até valioso com um pouco mais de esforço criativo. Se esse é um possível fim, ou talvez recomeço, das Tartarugas Ninja, é melhor nos contentarmos com o verdadeiro começo de tudo por meio do ótimo material clássico de Eastman e Laird na época em que a dupla sabia aliar novidades e violência a histórias de qualidade.
Tartarugas Ninja: O Último Ronin (Teenage Mutant Ninja Turtles: The Last Ronin – EUA, 2020/22)
Contendo: Teenage Mutant Ninja Turtles: The Last Ronin #1 a 5
Autoria: Kevin Eastman, Tom Waltz (baseado em história de Kevin Eastman, Peter Laird e Tom Waltz)
Arte: Esaú Escorza, Isaac Escorza, Ben Bishop
Cores: Luis Antonio Delgado
Letras: Shawn Lee
Editoria: Bobby Curnow
Editora original: IDW Publishing
Data original de publicação: outubro de 2020; fevereiro, maio e agosto de 2021 e abril de 2022
Editora no Brasil (encadernado): Pipoca e Nanquim
Data de publicação no Brasil: março de 2023
Páginas: 228