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Crítica | Um Lugar Bem Longe Daqui

Alguns clichês te atraem, outros te devoram.

por Davi Lima
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Lugar Bem Longe

Uma pergunta sempre pode ser feita aos best sellers adaptados para o cinema: por que os clichês ainda funcionam? Um Lugar Bem Longe Daqui pode facilmente entrar nesse questionamento, tanto por sua base literária sobre o interior americano e uma mulher misteriosa vivendo no meio de brejos e pântanos, quanto pelo  filme desenvolver a história entre relacionamentos amorosos e momentos de tribunal. Os clichês aparecem na literalidade dos diálogos e nos percursos sempre subjugados pelo êxtase sexual entre os dois personagens. E é  por esses fatores que caracterizam um livro de sucesso comercial, que também prendem a atenção dos espectadores, mostrando  nossas posições reais com o que denominamos clichês: a obviedade das narrativas.

Esse longa-metragem dirigido por Olivia Newman traduz os três fatores que formam  um best seller do gênero: um crime misterioso, um romance naturalista e uma protagonista ativo-passiva – dependendo da conveniência dos  fatores citados. Toda e qualquer criatividade aparece apenas nas escolhas da diretora com a montagem documental da natureza, buscando criar a atmosfera da Carolina do Norte; e como a personagem Kya Clark (Daisy Edgar-Jones), a mulher misteriosa, se relaciona com ela. O resto se resume a planos e contraplanos, típico de adaptações muito inseguras para fugir das regras que a literatura garantiu como sucesso, assim como adaptação segura por produtoras, como Reese Whiterspoon e Lauren Levy Neustadter (The Morning Show, Pequenos Incêndios Por Toda Parte), transitando do  mercado das séries para o cinema. Ou seja: os clichês fazem parte da produção como limite para a criatividade, assim como é formatado para garantir o público do livro – ou ouvintes de Taylor Swift e a música tema, Carolina.

Porém, para um público novo, os clichês podem criar uma sensação de condescendência. Com as expectativas alinhadas, Um Lugar Bem Longe Daqui não se arrisca, passeando pelos fatores que formulam um best seller como gênero. A faceta ambígua do clichê é que, mesmo em seus níveis mais claros, podem ainda ser elaborados com  um diferencial. Não é o caso desse filme, mas há um esforço para isso. O entrelace entre entender Kaya e entender o crime ocorrido na Carolina do Norte, numa montagem simples de problema e conclusão sucessivas entre o tribunal e o romance de verão, pode viciar o espectador na obviedade do clichê, colocando até as pistas discutidas no tribunal apenas realmente compreendidas em ação entre os personagens. Um gorro, um cordão e uma viagem são apresentados como discussão entre o promotor e o advogado (Tom Milton), e eles aparecem na narrativa de desenvolvimento de Kaya depois de serem citados.

Dessa forma, o romance de verão vai criando ares de incremento entre a mulher misteriosa e o tribunal. Os clichês se misturam e vão criando uma comida cinematográfica diferente, mesmo que com gosto semelhante. Nisso é que a pergunta do início se torna relevante. Ela serve para outros filmes que não gostamos  por serem um clichês, enquanto outros, evidentemente clichês, agradam pela  obviedade narrativa que agrada a algum tipo de público. Um Lugar Bem Longe Daqui sabe muito bem quem é seu espectador, assim como produtoras experientes sabem vender seu filme. Nessa perspectiva, ainda sobra a dúvida de como uma pessoa fora desse grupo pode aproveitar a obra. 

A história de Kaya é uma desmistificação de algo não forjado em sua relação com a natureza: não demonstra perigo para quem assiste, diferente dos cidadãos da cidade da Carolina do Norte. O tribunal é o percurso disso, e por isso a montagem é encaixada e associada a  tempos diferentes da vida de Kaya e do processo jurídico. O clichê que assistimos acaba por se comentar, ao mesmo tempo que as pistas vão desfalecendo, como se elas não importassem de fato . Esse é o problema que afunda o método óbvio e comercial, ao ponto da  mínima da criatividade de Olivia Newman em relação à  natureza, se tornar um tema relevante para a mulher misteriosa sem muito desenvolvimento. O clichê prende atenção até desmoronar em algo que foge da sua obviedade, como uma reviravolta não planejada.

Provavelmente, numa dinâmica literária, os finalmentes de Um Lugar Bem Longe Daqui não soa abrupto e nem revolucionário quanto o mistério da mulher em relação à natureza que apenas sobrevive e onde  permanece  impune, sem pecado. O crime e o romance se perdem na equação dos clichês, no entanto, servem para percorrer a obra . Muitos poderão se contentar com isso, mas a grande verdade é que o romance de verão e os outros fatores do best seller dificilmente vendem qualidade tão bem no audiovisual. Ao menos a música dos créditos combina com o “anti-clichê” feminino em um filme “tão ativo e tão passivo”, ao expor sua protagonista. O  clichê funciona, e por isso tem esse nome  Mas definitivamente não é tão fácil de ser quebrado.

Um Lugar Bem Longe Daqui (Where the Crawdads Sing) – EUA, 2022
Direção: Olivia Newman
Roteiro: Lucy Alibar, baseado no livro Um Lugar Bem Longe Daqui, escrito por Delia Owens
Elenco: Daisy Edgar-Jones, Taylor John Smith, Harris Dickinson, David Strathairn, Michael Hyatt, Sterling Macer Jr., Logan Macrae, Bill Kelly, Ahna O’Reilly, Garret Dillahunt, Jojo Regina
Duração: 125 minutos

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