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Crítica | Viagem ao Centro da Terra (1959)

Aventura mofada.

por César Barzine
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As adaptações das obras de Júlio Verne nos mostram que nem só da Bíblia ou da Antiguidade viveram os grandes épicos da Hollywood Clássica. Ficção científica, aventura e fantasia (gêneros do filme em questão) também adentram o conjunto dessas grandes produções; principalmente nos anos 50, período em que os principais estúdios tiveram que elevar a magnitude de suas realizações para manter o interesse do público, agora atraído pela televisão. Contudo, o apelo comercial dessas produções (das que vão a tempos milenares às que vão aos seculares) se reverbera para além da produção suntuosa, resultando em narrativas preguiçosas que já criam uma má vontade inicial com o público. 

Se preparar para ver um épico desses raramente desperta atração, dado que é justamente quando vemos o pior do cinema comercial americano desse momento. São filmes sem o encanto da Era de Ouro de Hollywood, e a magia que podiam despertar no espectador casual da época, por conta dos efeitos especiais, se perde completamente agora. Mas a verdade é que, para qualquer público minimamente mais aguçado dos anos 50, esses filmes acabam sendo enfadonhos do mesmo jeito. Neste momento, como dito antes, borbulhavam as adaptações de Verne: 20.000 Léguas Submarinas, A Volta ao Mundo em 80 Dias. Todas vindas antes de Viagem ao Centro da Terra. Isso coloca tal longa não apenas como genérico trabalho comercial, mas também como um caça-níquel dos mais baratos.

A primeira cena do filme transparece um tom cartunesco que será dominante no primeiro ato, o que se deve às interpretações infantis pautadas na cordialidade entre os personagens. No restante da narrativa, esse aspecto cartunesco se mantém, porém agora pelo visual bizarramente feio da mise-en-scène. E se ela fosse mais colorida, poderíamos dizer que estávamos num musical sem música, graças a este clima de opereta. Até o plot point do primeiro ao segundo ato, tudo é muito ameno naquele universo vitoriano (no livro, o cenário é a Alemanha, não a Escócia, como aqui) que nos é apresentado. Esse tom é previsível para uma obra familiar deste porte, no entanto, não deixa de ser um descompasso — principalmente quanto à patética interpretação de Diane Baker, que vive Jane. 

A primeira virada de ato, quando a grande aventura se inicia, é outra irregularidade. Os personagens do nada saltam para os confins da Islândia, sem apresentar coisa alguma sobre o trajeto deles até lá, o que causa estranheza por soar abrupto demais. Até certo tempo, o filme opera muito mais pela trama de intrigas do que pela aventura pura. E, claro, o enredo é completamente genérico neste andamento, optando pelos lugares-comuns da disputa de interesses: um cientista tentando atropelar o outro, o que leva ao roubo de ideias, sequestros, perseguições etc. Quando um problema some da trama, aparece outro, e a resolução de tudo consegue se sobressair no esquematismo, levando o filme a algo completamente boçal. É este o papel do personagem Saknussemm, um vilão que deveria ter mais personalidade, porém sua presença de tela acaba sendo a coisa bunda-mole possível. 

As dinâmicas do grupo com este personagem apavoram a atenção do espectador pela falta de timing e pela pobreza do roteiro. No ‘’clímax’’ em que ele ameaça um dos exploradores com uma arma, o conflito é resolvido de maneira completamente tacanha, com quase um Deus ex machina. O encerramento de seu arco segue a mesma linha, e o filme se confirma como uma ‘’aventura de cartilha’’, tão previsível nas ideias e tão enfadonha na execução, ao ponto de confundir despretensão com uma baboseira mecanizada. Apatia é, na melhor das hipóteses, o que o longa consegue entregar. A simplicidade, para funcionar, necessita da vivacidade em obras de matinê como essas. No entanto, o potencial lúdico deste trabalho é desperdiçado por um desenvolvimento sem o mais básico horizonte criativo, que escancara um automatismo centrado na engrenagem do star studio de maneira bem desavergonhada. Mais uma vez: um completo caça-níquel.

No mesmo ano de lançamento de Viagem ao Centro da Terra (1959), estreava outro épico hollywoodiano: Ben-Hur, do grande William Wyler. Foi a maior bilheteria da história do cinema até aquele momento; ou seja, foi um filme extremamente comercial. Mas este apelo do longa não o impediu de ser uma obra refinada e com alguma personalidade. Comparado aos seus pares, Ben-Hur é basicamente um filme autoral. Já o longa de Henrique Levin é tão artificial que não se salva nem na questão técnica. O primeiro plano com a possibilidade de deslumbramento visual (quando Oliver e Alec estão no topo de uma montanha pela primeira vez) é simplesmente ridículo. Os protagonistas numa paisagem propícia ao sublime, e o melhor que a direção conseguiu fazer foi decupá-los num plano aberto que ofusca a natureza em seu contraste com os corpos. O horizonte soa como pano de fundo inexpressivo, e os planos, como um todo, chegam a ser feios e estranhos.

Extremamente feio é também o frequente uso de contraplanos, apenas reafirmando o caráter mecânico da produção, que acaba soando como uma aventura sem ação, pois o que existe são cortes e planos rígidos em vez de movimentos. Na questão plástica, o filme continua desconcertante. Alguns podem dizer que é injusto tal julgamento pelas condições técnicas de sua época, porém a tosquice dos cenários mais inventivos parece mais descuido do que uma restrição intrínseca. Podemos relevar os lagartos gigantes do final, mas não tem por que engolir a encenação de ambientes simples que parecem ter sido montados para o teatro, e não para o cinema. Anacronismo ou não, os cenários internos são jocosos, o que faz elevar a forma cartunesca já presente. O pior exemplo são os troncos e galhos nas cavernas, há neles uma luminosidade e um tom liso tão falso que chega a ser um trash plenamente evitável.

Viagem ao Centro da Terra (Journey to the Center of the Earth) — EUA, 1959
Direção: Henry Levin
Roteiro: Walter Reisch, Charles Brackett, Júlio Verne (romance)
Elenco: Pat Boone, James Mason, Arlene Dahl, Diane Baker, Thayer David, Peter Ronson, Peter Wight, Ivan Triesault, Alan Caillou, Alan Napier Ben Wright
Duração: 132 minutos.

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