Home Diversos Crítica | A Ilha Perdida, de Maria José Dupré

Crítica | A Ilha Perdida, de Maria José Dupré

por Luiz Santiago
3,7K views

A Ilha Perdida é um clássico da literatura infantojuvenil brasileira. Publicada em 1944, a obra foi assinada pela Sra. Leandro Dupré, uma assinatura que normalmente gera polêmicas desnecessárias ou descontextualizadas sobre o caso. A afirmação comum é que Maria José Dupré foi obrigada (não sabe-se se pela editora ou pelo marido) a não usar o seu próprio nome, o que não é verdade. O engenheiro Leandro Dupré, esposo da escritora, sempre foi um grande incentivador do trabalho dela, inclusive inserindo-a em lugares onde o machismo da época não permitia ou dificultava ao máximo às mulheres. O fato é que, insegura, a autora adotara o pseudônimo de Mary Joseph, com o qual publicara o conto Meninas Tristes no jornal O Estado de S. Paulo, em 1939. Quando da publicação de seu primeiro livro, O Romance de Teresa Bernard (1941), pela Civilização Brasileira (da Companhia Editora Nacional), o editor Arthur Neves apontou para o fato de que um romance escrito por uma desconhecida “Mary Joseph” definitivamente fracassaria. E na discussão sobre que pseudônimo adotar (a autora não queria assinar o livro com o nome dela) foi que surgiu a ideia de “Sra. Leandro Dupré”, que ela usaria por muitos anos.

Em maio 1943, ao lado de Caio Prado Júnior, Arthur Neves e Monteiro Lobato, Maria José Dupré fundou a Editora Brasiliense e foi por esta editora que saiu A Ilha Perdida, uma espécie de continuação das Aventuras de Vera, Lúcia, Pingo e Pipoca (1943). Vera e Lúcia até são citadas no início de A Ilha Perdida meio que displicentemente, numa informação inicialmente desnecessária e que de maneira não tão interessante acaba sendo compensada no final da obra, com a visita das duas garotas e dos cachorrinhos à fazenda do Padrinho e da Madrinha, local para onde viajam os irmãos Henrique e Eduardo, os protagonistas da trama.

Após a sua publicação pela Editora Ática em 1973, originando a inesquecível e importantíssima Série Vaga-Lume, A Ilha Perdida entrou definitivamente para a experiência literária de diversas crianças e adolescentes nos anos seguintes. Muitos leram o livro no colégio, mas a obra é certamente conhecida em muitos outros contextos. E por mais que seja uma aventura infantojuvenil escrita nos anos 1940, uma série de valores e o nível de fascínio que nos causa ainda é imenso. Desde a chegada dos irmãos Henrique e Eduardo à fazenda, a autora alimenta a curiosidade da dupla e abre o caminho para a visita à ilha perdida, algo que o título e a ilustração da capa, desde a primeira edição, deixam bem claro que acontecerá. E exceto por um único momento (o capítulo No Mundo da Macacada) a saga nos prende e nos encanta de verdade.

plano crítico a ilha perdida sra leandro dupré maria josé dupré

Sra. Leando Dupré: um pseudônimo que gerou polêmicas desnecessárias.

No caso do capítulo com o julgamento dos macaquinhos ladrões de frutas, eu não gostei quando era criança e continuo não gostando agora, tantos anos depois. De certa forma é possível entender que a autora procurou adicionar uma crônica moral dentro do funcionamento da ilha, como se quisesse mostrar que certos ideais devem ser observados em todas as organizações complexas de seres vivos. E sim, a narração do julgamento é, a seu modo, chamativa. Mas é um capítulo problemático porque quebra a relação de Henrique com Simão e dá uma pausa desnecessária em toda a interessante dinâmica de exploração, aprendizado e descobertas na ilha, ou seja, aquilo que realmente interessa ao leitor e que a autora trabalha de forma bem mais interessante. Vejam a diferença, por exemplo, entre esse capítulo e o bloco em que Simão e Henrique vão até o habitat dos veados, para tentar salvar uma veadinha que havia sido alvejada nas margens do rio Paraíba do Sul (grafado no livro apenas como rio Paraíba), onde está a ilha. A emoção, a exploração e todo o aspecto de descoberta e relação entre tutor e pupilo deste segundo ato simplesmente inexistem no capítulo dos macacos, cuja importância para a obra é talvez ressaltar a inteligência e habilidade desses animais para leitores extremamente desatentos.

A forte relação entre homem e natureza e uma intensa exposição de território selvagem sendo domado ou domando visitantes desavisados são alguns dos temas da obra, que se completa ao explorar o problema da mentira contada pelos irmãos de São Paulo e o impacto que isso teve para os padrinhos — que de maneira muito curiosa não haviam escrito aos pais dos meninos sobre o desaparecimento, mesmo depois de 8 dias! E ao que tudo indica, iam deixar isso como um segredinho…

Como disse antes, a obra tem a aura do tempo em que foi escrita, mas em vários aspectos se conecta com o leitor contemporâneo, especialmente no que diz respeito aos dilemas e à oposição de forças entre homem e natureza. Por se tratar de crianças no meio dessa aventura selvagem, procurando sobreviver aos reais perigos da mata e, depois, o maravilhamento que temos em torno de uma delas, é impossível não se apegar fortemente à história. Não é à toa que o livro perdura até hoje na memória dos que o leram e, espero eu, que ainda faça a alegria de muitas crianças e adolescentes que o descobrirem no futuro.

A Ilha Perdida (Brasil, 1944)
Série Vaga-Lume: Livro 1
Autora: Maria José Dupré
Editoras: Brasiliense, 1944 (capa e ilustrações de André Le Blanc) / Edições Saraiva, 1959 e 1965 (capa e ilustrações de Nico Rosso) / Editora Ática, 1973 a 1999 (capa de Edmundo Rodrigues e Ary Almeida Normanha + ilustrações de Edmundo Rodrigues). Em 2000, a Ática lançou a “versão Júnior” do livro, com ilustrações coloridas e recriadas pelo ilustrador original. / Editora Somos Educação (Abril Educação), 2015 / Ática, 2015 (a partir da 41ª edição, com capa de Marcelo Martinez, baseado em ilustração original de Edmundo Rodrigues).
127 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais