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Crítica | A Morte de um Ciclista

por Luiz Santiago
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Apesar de ter estreado no cinema em 1948, com o curta Passeio Por Uma Guerra Antig, e de ter dirigido três longas-metragens antes de A Morte de um Ciclista, foi apenas com esta película de 1955 que o cineasta espanhol Juan Antonio Bardem conseguiu marcar o seu nome na cinematografia de seu país, criando uma obra dentro do realismo social que incluía sátira, crítica e um ácido humor nas consequências pela morte que nos é anunciada no título do filme.

Os criminosos aqui estão acima de qualquer suspeita, já que são ricos e tiveram a sorte de não serem vistos por ninguém quando negaram socorro ao ciclista que atropelaram. Todavia o roteiro do próprio Bardem (baseado na obra de Luis Fernando de Igoa) trabalha a dubiedade de uma possível testemunha ocular como um fator de avanço da narrativa, incrementando a perturbação dos protagonistas, assim como seu (possível) sentimento de culpa, sua paranoia e o cenário de diversos focos de suspeita em que são inseridos. Neste mundo de máscaras e segundas intenções que o diretor explora, achar uma pessoa que confia em outra é uma raridade.

A ironia, no entanto, parece ser a alma de A Morte de um Ciclista, e isso a gente pode ver na maneira como o diretor executou o ciclo trágico no início e no fim do filme, mas principalmente pela importância ou ausência dela que se dá a cada uma das situações aqui. O operário que morre atropelado é apenas um incômodo qualquer, cuja família é possivelmente agraciada com uma doação sob medida para acalmar a culpa cristã de Maria (Lucia Bosè). Não há um verdadeiro trato humanizador para os menos agraciados aqui, e justamente por ter um elemento de mistério em jogo é que temos a impressão de acompanhar uma abordagem de hitchcockiana sendo tendo como essência o lado problematicamente amoroso do noir e o lado socialmente reflexivo do Neorrealismo Italiano.

Não se fala de uma única morte aqui, e tampouco de mortes físicas, apenas. Aliás, a morte principal, aquela que desencadeia uma série de outras mortes na obra é justamente a que menos importância tem em si mesma, e já levantei a ironia classista que isso ganha na obra. O que muda, porém, é que o evento traz à tona uma série de verdades a respeito de Maria e Juan (Alberto Closas) que nem eles mesmos sabiam. O roteiro usa a tenção da descoberta do crime para forçar neles o desespero que os transformará, um ironicamente ganhando consciência política e outro fazendo aquilo que sempre fez: qualquer coisa para manter o status quo. Uma vida se vai, mas com ela vai também a confiança, um casamento, uma antiga paixão e as aparências de pessoas desacostumadas a qualquer tipo de pressão, mesmo tendo culpas éticas e morais em sua conta.

A Morte de um Ciclista é uma reação em cadeia que ganha uma abordagem ousada de Bardem, com jump cuts, momentos perfeitamente escolhidos para concentrarem imagens poéticas (a sequência final entre Maria e Juan) e a reafirmação da tragédia como pagamento moral, mas sem cunho realmente moralista. A questão é que no momento em que alguém da alta cúpula resolve assumir suas falhas perante a lei, uma “força maior, de interesses mais altos que a justiça” certamente irá impedi-lo.

A Morte de um Ciclista (Muerte de un Ciclista) — Espanha, Itália, 1955
Direção: Juan Antonio Bardem
Roteiro: Juan Antonio Bardem (baseado em história original de Luis Fernando de Igoa)
Elenco: Lucia Bosè, Alberto Closas, Bruna Corrà, Carlos Casaravilla, Otello Toso, Alicia Romay, Julia Delgado Caro, Matilde Muñoz Sampedro, Mercedes Albert, José Sepúlveda, José Prada, Fernando Sancho, Manuel Alexandre, Jacinto San Emeterio, Manuel Arbó, Emilio Alonso, Margarita Espinosa, Rufino Inglés, Antonio Casas
Duração: 88 min.

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