- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e de toda a franquia Alien.
Aqui no site já dedicamos, integral e parcialmente, textos e mais textos para tentar explicar que uma crítica é sempre eminentemente subjetiva e parcial (aqui e aqui, por exemplo). Ela é – e deve ser – temperada por elementos que podem ser enquadrados como objetivos e imparciais, mas, no final das contas, o que fica é a convicção pessoal do crítico sobre a obra que ele se propôs a analisar. Essa impressão carrega aspectos das mais variadas ordens, do peso que se dá a determinado elemento positivo ou negativo, passando pela capacidade do crítico de aceitar ou rejeitar essas ou aquelas características, e chegando ao puro gosto mesmo, algo por vezes até inexplicável, mas que é formado de suas experiências de vida como um todo. Faço esse preâmbulo todo apenas porque, quando Emersão, penúltimo episódio da primeira temporada de Alien: Earth acabou, tudo o que me passava pela cabeça era o quanto eu não suportei ver um xenomorfo fazendo “xenomorfagens” de dia, com sol a pino, em um lugar completamente aberto. Foi como um tapete brutalmente puxado sob meus pés, uma violenta e inesperada subversão de tudo aquilo que eu conectava com a franquia Alien, em que sombras, corredores estreitos, espaços claustrofóbicos, habilidades camaleônicas são a regra mesmo nos piores exemplos que tivemos ao longo das décadas (e não foram poucos).
Sou o primeiro a admitir que é muito limitador imaginar que os xenomorfos sempre precisam caçar suas presas em ambientes como os que eu descrevi, mas minha reação foi pavloviana, ou seja, vi o xenomorfo, salivei por escuridão e, quando notei a ambientação diurna do começo ao fim, minha mente deu um nó que nem Alexandre, o Grande conseguiria desatar. E não, não vi problema algum no fato de Wendy ter basicamente domesticado o xenomorfo. Isso foi muito bem construído na temporada e era natural que fosse usado em algum momento, algo que inclusive mencionei que aconteceria em minha crítica anterior. A questão foi mesmo a fotografia diurna em espaços abertos, pois nem mesmo a densa cobertura vegetal da Terra do Nunca foi usada para criar aquilo que eu esperava que fosse criado para permitir que um xenomorfo adulto (ou quase, sei lá) fizesse o que faz de melhor sob o comando de uma pós-humana ainda em fase de crescimento, por assim dizer. No entanto, o que eu espero de alguma obra não interessa, pois isso é um dos grandes contaminantes de análises. O que interessa é se o que foi feito – mesmo eu não esperando ou não gostando – funcionou em termos narrativos.
E eu posso dizer que, sem dúvida alguma, seja de dia ou de noite, Wendy deixando de lado de vez todo e qualquer resquício de humanidade que porventura ainda tinha para não só libertar o xenomorfo, como usá-lo como arma biológica em sua fuga com o irmão e Nibs pela ilha de Kavalier foi uma jogada de mestre do roteiro de Noah Hawley e Maria Melnik, jogada essa amplificada pelo contraste com a humanidade que Joe demonstra ao ficar horrorizado com as mortes impingidas sobre outros humanos, mesmo aqueles que os estão caçando e com sua medida desesperada para neutralizar a perturbadíssima Nibs em sua predileção por arrancar mandíbulas, levando Wendy a virar-se contra ele, aparentemente abraçando de vez sua condição especial de nem humana, nem robô, completamente insensível. Por outro lado, a direção de Dana Gonzales não soube elevar o texto ao que ele tinha o potencial de ser, graças a uma decupagem frenética e picotada demais em um episódio que teria se beneficiado e muito de uma minutagem semelhante aos demais. Faltou calma para os ajustes de passo, mesmo que o objetivo tenha sido evidenciar o quão rapidamente uma situação aparentemente sob controle pode degringolar por completo.
No lado de Slightly e Smee levando um Arthur inconsciente e tomado pelo Facehugger, o curioso foi a ousadia do roteiro em emprestar uma leve linha de humor à narrativa, seja com as duas crianças em corpos robóticos adultos dando cabeçada para fazer o que precisam fazer, ou Kirsh chegando não para parar tudo, mas sim para indicar o melhor caminho com toda aquele seu sarcasmo, seja quando Arthur acorda completamente perdido e, depois, um pouco mais dono de si, tentando mostrar como é esperto. O que funciona em todas essas cenas – e, nelas, a direção calma e centrada de Gonzales foi na mosca – é o inusitado delas diante do que está acontecendo ao redor e, claro, o fato de nós, espectadores, sabermos exatamente o que esperar daquela situação, ou seja, nós vemos quase que uma esquete dos Três Patetas (e isso é um elogio) em meio a um horror indescritível, mas que é ao mesmo tempo muito familiar para quem sabe o mínimo da franquia em que a série está inserida.
E o que dizer de Boy Kavalier? O garoto prodígio, o geninho insuportável que queria criar sintéticos com mentes humanas para ter com quem trocar ideias em seu nível intelectual, aparentemente encontrou seu igual no Polvo Zoiudo (eu sei que o nome oficial é Ocellus, mas eu prefiro o meu…) controlando um carneiro. O “momento Pi” foi tão desconcertante quanto assustador e, agora, é esperar para ver o alienígena tomar posse de um humano, de preferência o próprio Kavalier, e começar a planejar a dominação do mundo exatamente como Cérebro, de Pinky e o Cérebro, quem sabe até servindo de cliffhanger para uma guerra aberta contra a Weyland-Yutani e as outras três corporações que fatiam esse universo? Eu sei que eu veria tranquilamente uma segunda temporada com esse mote. Na verdade, quem estou enganando? Se tiver Hawley no comando, eu veria uma segunda temporada feita até com marionetes.
Emersão não me fez imergir nas sequências iluminadas com o xenomorfo. Culpa minha, provavelmente, mas faz parte. Sem dúvida, porém, que faltou calma no episódio ou, pelo menos, um uso mais compassado da dilaceração de seres humanos e uma exploração um pouco melhor da chegada de Morrow e seu pequeno exército no local, assim como a revelação de que Kirsh estava oito jogadas a frente de qualquer um por ali. Aliás, se há esperanças de que o Polvo Zoiudo será derrotado, essa esperança repousa nos calmos e relaxados ombros sintéticos do personagem de Timothy Olyphant que sempre está no controle de todas as situações. Agora, só nos resta aguardar o desfecho da temporada que, tomara, aconteça à noite, na boa e velha penumbra assustadora e claustrofóbica com bichos estranhos a cada esquina.
Alien: Earth – 1X07: Emersão (Alien: Earth – 1X07: Emergence – EUA, 16 de setembro de 2025)
Desenvolvimento: Noah Hawley
Direção: Dana Gonzales
Roteiro: Noah Hawley, Maria Melnik
Elenco: Sydney Chandler, Babou Ceesay, Alex Lawther, Timothy Olyphant, Essie Davis, Samuel Blenkin, Adarsh Gourav, Erana James, Lily Newmark, Jonathan Ajayi, David Rysdahl, Diêm Camille, Moe Bar-El as Rashidi, Adrian Edmondson, Sandra Yi Sencindiver
Duração: 46 min.