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Crítica | Asterix na Lusitânia

Ora pois pois!

por Ritter Fan
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  • Confiram, aqui, nossas críticas para todos os álbuns e filmes de Asterix e Obelix.

O 41º álbum da série regular de Asterix é o segundo escrito por Fabrice Caro, que assina como Fabcaro, seguindo seu Asterix – O Lírio Branco, que teve uma premissa estranha e até ousada que, apesar de seus problemas, acabou funcionando bem para mim. Com Asterix na Lusitânia, o roteirista não continua essa veia mais diferente e reverte para a estrutura clássica, ou seja, uma aventura que transporta Asterix, Obelix e Ideiafix a um país/região que não conhecem para cumprirem algum tipo de missão, o que os leva a uma jornada essencialmente turística pela cultura e história do povo local, algo que o saudoso René Goscinny era mestre em fazer.

Boa parte da comicidade desse tipo de história de Asterix vem justamente dos estereótipos que ganham constantemente o primeiro plano, sejam eles relacionados com vestimentas, culinária, estilo de vida, canções ou hábitos diários. Se os Bretões em Asterix entre os Bretões falavam ao contrário e paravam de fazer qualquer coisa às cinco da tarde para tomar “quente água” (pois em 50 a.C. o chá não havia chegado até lá) e os hispânicos em Asterix na Hispânia eram irritadiços, pareciam “bandoleiros mexicanos” e falavam “olé” o tempo todo, os lusitanos em Asterix na Lusitânia são melancólicos em razão do fado e têm dieta baseada em bacalhau e pastel de nata, além de falarem todas as palavras terminadas em “ção” em sua própria língua. Nesse aspecto, Fabcaro vai fundo e não se deixa esmorecer nessa homenagem jocosa aos futuros portugueses, incluindo menções a Viriato, líder que uniu as tribos lusitanas e, como Vercingetórix, lutou contra a dominação romana, tudo isso contando com indispensável arte de Didier Conrad para materializar os “típicos e inconfundíveis portugueses de outrora”.

A desculpa criada pelo roteiro para justificar a viagem é a chegada do mercador fenício Epidemicus – personagem recorrente na série desde que ele foi introduzido em Asterix Gladiador – na costa da aldeia dos irredutíveis gauleses trazendo não só variados produtos para vender, como, também, o ex-escravizado lusitano de O Domínio dos Deuses que vem pedir um favor para Abracurcix: ajudá-lo a libertar da prisão um fabricante de garo (garum, em latim, um  molho/condimento à base de peixe muito usado na Roma Antiga) de sua aldeia que foi injustamente acusado de tentar envenenar Júlio César com seu produto. Sem perder tempo, a trinca gaulesa embarca na galera de Epidemicus e vão até à pitoresca aldeia pesqueira que foi inspirada em Azenhas do Mar para, então, começarem a investigar o que realmente aconteceu de maneira a tirar o lusitano da prisão não na base da poção mágica, mas sim efetivamente absolvendo-o.

Não é uma história particularmente complexa, mas ela cumpre sua função de ser o tapete vermelho que é desenrolado à frente dos gauleses para que eles, então, se deparem com tudo o que qualquer pessoa não portuguesa lembra de Portugal mesmo sem ter ido lá, o que, obviamente, inclui não só os exemplos que dei acima, como, também, as famosas calçadas de pedra portuguesa (Obelix fica indignado com o uso de pedras perfeitas para menires serem usadas desse jeito), as comidas diferentes para o paladar gaulês e assim por diante, com direito a muito fado cantando aos berros como Chatotorix faria com um sorriso no rosto. Ciente, porém, de que sua história não teria lastro suficiente para justificar as 48 páginas regulamentares dos álbuns de Asterix, ele usa uma boa estratégia, que é criar um pequena constelação de novos personagens que se tornam essenciais para a missão, dentre eles o casal gaulês de terceira idade que viaja em um trailer (basicamente uma casa completa, com telhado em V invertido e paredes de pedra) puxado por dois bois por toda a Europa, em um comentário nada indireto a um hábito comum por lá, um cozinheiro português que serve o rango dos prisioneiros na prisão de Olissipo (Lisboa) e uma dona de restaurante que faz serviços de catering, garantindo um ar de novidade a cada página virada.

Por outro  lado, Fabcaro tira completamente o pé do acelerador no que diz respeito aos comentários políticos que eram tão caros a Goscinny. Eles praticamente inexistem aqui, limitando-se ao capitalismo selvagem dos vilões da história, com o roteirista insistindo, quase que exclusivamente na caricatura cômica da Lusitânia e dos lusitanos, o que esvazia muito toda a razão de ser dessas viagens de Asterix e Obelix por outros lugares do mundo. Por outro lado, Conrad, na arte, acerta novamente, mas dentro dos ditames originais à la Maurício de Sousa que preservam o estilo artístico estabelecido por Albert Uderzo, ou seja, ele não inventa moda, o que considero um desperdício, mas trabalha com afinco nos detalhes visuais de cada quadro, trazendo a velha Portugal à vida com muito vigor em um álbum que diverte, mas que não ousa, voltando a jogar seguro dentro de um padrão já estabelecido.

Obs: A Editora Record, que retomou as publicações de Asterix no Brasil, finalmente nos fez ficar em dia com os álbuns atrasados, merecendo aplausos por isso. Infelizmente, porém, apesar de lançado em mais de 25 países simultaneamente, Asterix na Lusitânia não foi lançado por aqui. Fica a torcida para que o álbum aporte no Brasil em breve e que o próximo seja publicado na data de lançamento mundial.

Asterix na Lusitânia (Astérix en Lusitanie – França, 2025)
Roteiro: Fabcaro (Fabrice Caro) (baseado em criação de René Goscinny e Albert Uderzo)
Arte: Didier Conrad
Cores: Thierry Mébarki
Editora original: Hachette Asterix
Data original de publicação: 23 de outubro de 2025
Páginas: 48

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