Historicamente, o período de encontro, tomada de posse e dominação da Espanha sobre o Império Asteca foi bem curto, indo de 1519 a 1521, embora tenha se estendido, contra o Iréchikwa (mais conhecido como Império Purépecha ou Tarasco), até 1530. É na primeira fase dessa conquista que Batman Azteca: Choque de Impérios se passa, assumindo o papel de uma animação com roteiro decolonial (guardadas aqui todas as críticas possíveis ao caráter instrumentalizador, comercial e essencialmente fatalista do enredo), escalação de elenco latino para as vozes protagonistas e criação de um herói asteca chamado Yohualli Coatl (inspirado em Tzinacan), o Batman deste mundo, uma espécie de Elseworld. É, sem dúvidas, uma proposta interessantíssima, que finalmente se dispõe a contar, na seara dos “filmes de bonequinho“, o massacre dos espanhóis sobre os nativos do “Novo Mundo”, tanto em nome da cruz, quanto em nome do rei.
Para mim, o maior destaque do filme é a sua direção de fotografia. As cores do projeto são encantadoras: vibrantes, escolhidas com muito cuidado para as cenas diurnas e noturnas, cheias de contraste profundo e boa integração com sombras (sem aquela aparência chapada que a gente conhece), além de trazer referências culturais astecas bem marcantes. Sim, estamos diante de uma mímica, uma ficção histórica que se mostra na estética, na escalação dos personagens reais (Cortés, Alvarado, Montezuma II) e no destino que dá à invasão de Tenochtitlán, trazendo até mesmo as alianças feitas pelos espanhóis com grupos nativos inimigos dos astecas. Para efeito de construção de um bom drama, devo dizer que o roteiro aproveitou bem o momento histórico e suas consequências graves a médio prazo, basta ver a chegada, na cena entre-créditos, de um “médico da peste” que mostra traços do Pinguim, já pensando na primeira onda de varíola que os colonizadores trouxeram para o México e que matou, só nessa primeira leva, entre 5 e 8 milhões de pessoas, como nos mostra o estudo Megadrought and Megadeath in 16th Century Mexico, publicado em 2002.
A escalação de um Batman Asteca, com pinturas corporais, fenótipo, cultura e ideais de defesa de seu povo é, em tempos de disputa de narrativas (guerra cultural?), um bom pano pra manga, e todo o contexto do filme já acumula críticas dos que adoram fazer piadinhas sobre os sacrifícios humanos dos astecas e passam pano a perder de vista para os massacres realizados pelo Império Espanhol. Na prática, essas discussões não servem para nada, porque se esquecem de notar e referenciar o óbvio, partindo das diferenças religiosas, culturais, sociais, políticas, antropológicas e bélicas das duas civilizações que se chocaram em território americano. É claro que, ao tomar o ponto de vista Asteca (de novo: uma escolha extremamente válida e bem-vinda, apesar das ressalvas comerciais e inserções forçadas), o roteiro mexe com a cabeça de quem endeusa colonizador e acha que a cristandade sanguinária, avara e escravista da Europa “salvou a América“. Não será difícil o caro leitor encontrar por aí afirmações de que Batman Azteca adere à “lenda negra espanhola” e que é abertamente hispanofóbico e anticatólico. Balela, claro.
O choro dos negacionistas não afeta, porém, aquilo que o longa traz de melhor, começando pelo recorte, pela abordagem e por trazer o olhar dos perdedores à discussão. Não achei a história brilhante em diálogos, tampouco em composição de eventos (temos uma simples jornada do herói aplicada a um universo histórico mesclado com personagens da DC — com aproximações muito boas, diga-se de passagem, especialmente os correspondentes ao Coringa e à Hera Venenosa), mas creio que ela mantém uma linha narrativa costurada de uma forma que prende o espectador. Não sou muito fã dos movimentos, coreografias e cenas de batalha aqui, mas, como já disse antes, a ambientação e a fotografia são tão bacanas, que compensam, de alguma forma, essas pendências maiores. Não se trata exatamente de um “filme revolucionário”, mas é, com certeza, uma coprodução corajosa entre México e EUA, que, para nossa tristeza anunciada, já nasce com promessa de continuação. Vale, por enquanto, curtir o que temos na tela (muito sangue, traição, crueldade e ganância) e não deixar que a sanha de contar histórias pela metade, só para gerar sequências, atrapalhe a sessão.
Batman Azteca: Choque de Impérios (Batman Azteca: Choque de Imperios / Aztec Batman: Clash of Empires) — México, EUA, 2025
Direção: Juan Jose Meza-Leon
Roteiro: Ernie Altbacker, Alfredo Mendoza, Juan Jose Meza-Leon
Elenco: Luis Bermudez, Omar Chaparro, Raymond Cruz, Horacio Garcia Rojas, Jorge R. Gutiérrez, Jay Hernandez, José Carlos Illanes, Christian Lanz, Álvaro Morte, Alejandro Antonio Ruiz
Duração: 89 min.
