Como escrevi em outras resenhas da Saga Do Universo Divergente, este arco de histórias do Oitavo Doutor parece se dividir entre tramas mais convencionais, como The Creed Of Kromon e The Twilight Kingdom, e narrativas mais experimentais, como Scherzo e The Natural History of Fear. Faith Stealer, escrito por Graham Duff em sua única escrita para Doctor Who até o momento (2025), parece cair em algum lugar no meio. A história lida com temas complexos como os diferentes tipos de fé e o sincretismo religioso, além de adotar uma atmosfera absurdamente surrealista na construção de sua atmosfera e paisagens sonoras. Por outro lado, as soluções que o roteiro encontra para lidar com os conflitos que propõe não podem ser descritos de outra forma que não decepcionantemente convencionais.
Na trama, enquanto continuam a sua jornada pelo Universo Divergente em busca da TARDIS, o 8º Doutor, Charley, e C’Rizz chegam a uma nova interzona conhecida como o MultiHeaven, um grande mercado livre de fé e religiões, que parecem conviver em harmonia, oferecendo o lugar perfeito para seus visitantes refletirem. Entretanto, uma nova religião conhecida como a Igreja Da Lucidez, comandada pelo carismático Laan Carder, cresce mais do que qualquer outra, com suas intenções secretas se tornando uma ameaça para a própria existência do MultiHeaven.
Se existe algo fascinante em Faith Stealer é o seu cenário, uma enorme cidade que tem como principal objetivo estudar e catalogar os diferentes tipos de religiões e crenças. A proposta de um ambiente que tem no sincretismo a sua principal base, o que é representado principalmente na figura de Bordinan, a líder do Multiheaven, que faz de tudo para garantir essa diversidade de crenças na cidade. O roteiro inclusive insere alguns detalhes divertidos, como incluir o ateísmo entre essas crenças, já que eles acreditam na inexistência de uma força superior, enquanto os agnósticos e suas dúvidas não são bem-vindos nessa interzona do Universo Divergente.
Mas, apesar de todo esse universo rico que o roteiro de Graham Duff cria, a trama em si tem sérios problemas para cativar o ouvinte. Talvez o problema seja o foco que a história dá para C’Rizz, um companheiro que, mesmo já estando em seu quarto arco, parece ainda não ter dito a que veio. Há uma tentativa de usar o passado de C’Rizz como sacerdote para dar mais desenvolvimento para o personagem, o que, em teoria, é uma boa ideia, visto o background religioso do companheiro, mas que realmente nunca funciona. Isso porque, ao invés de trabalhar com as crenças do personagem, o texto simplesmente torna C’Rizz uma vítima genérica de lavagem cerebral, inclusive reprisando elementos semelhantes do arco anterior, The Twilight Kingdom, como o momento em que C’Rizz ataca Charley.
Esse, infelizmente, não é o único problema de Faith Stealer. Enquanto a construção de mundo da narrativa e os temas que o roteiro trabalha são muito ricos, o ritmo da trama é trôpego, na melhor das hipóteses. O Oitavo Doutor e Charley, por exemplo, passam a maior parte do tempo do arco escanteados, cumprindo somente uma função exploratória, mas ganham enorme protagonismo na reta final da história, que possui conclusões convencionais e sem graça. Já C’Rizz, que esteve ligado ao núcleo central da narrativa ao longo de todo o roteiro, perde toda a importância.
Faith Stealer tem o seu valor pela forma criativa com que constrói o seu universo, apresenta os seus personagens originais e trabalha os temas de crença e religião de forma divertida e respeitosa, mas apesar disso, o roteiro de Graham Duff tem problemas em estruturar a sua narrativa de forma coesa, criando uma história cujas viradas e recompensas dramáticas sempre soam desorganizadas. Faith Stealer é um arco que apresenta um universo para lá de interessante, mas que merecia uma história melhor.
Big Finish Mensal #61: Faith Stealer (Reino Unido, Setembro de 2004)
Direção: Gary Russel
Roteiro: Graham Duff
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Conrad Westmaas, Stephen Perring, Christian Rodska, Tessa Shaw, Jenny Coverack, Ifan Huw Dafydd, Helen Kirkpatrick, Neil Bett, Chris Walter Evans, John Dorney, Jane Hills
Duração: 105 Minutos
