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Crítica | Consciência Culpada

Os primeiros créditos do lendário Roger Corman.

por Ritter Fan
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O lendário Roger Corman não “inventou” o cinema independente, mas ele aperfeiçoou e transformou em ciência esse tipo de produção desde que ele, depois de trabalhar no desenvolvimento inicial de O Matador, não recebeu crédito algum e saiu desiludido da 20th Century Fox para estudar literatura inglesa em Oxford, beneficiando-se da legislação americana que dava benefícios variados a veteranos da Segunda Guerra Mundial, e, depois, morar um tempo em Paris, retornando convicto de que ele queria mesmo seguir o caminho do Cinema, mas um caminho próprio, produzindo seus próprios filmes. Ele retornou para Hollywood para reconstruir sua carreira por lá e, em determinado ponto, escreveu o primeiro roteiro do que acabaria sendo Consciência Culpada (Highway Dragnet, no original), ainda que seus créditos tenham sido apenas o de “baseado em história de”.

Na verdade, Corman trabalhava em uma agência de artistas na época e, com a venda de seu roteiro, ele não só decidiu largar o emprego, como oferecer-se como assistente de produção no longa que escrevera, mas sem ganhar nenhum centavo, apenas pela experiência de participar do processo completo de desenvolvimento de um longa, como em uma escola, o que lhe valeu um segundo crédito na obra, o de co-produtor. A modesta soma que Corman conseguiu com a cessão dos direitos sobre seu roteiro abriu caminho para que ele, com toda sua engenhosidade, captasse 12 mil dólares de variadas fontes para então efetivamente produzir seu primeiro longa, O Monstro do Fundo do Mar (Monster from the Ocean Floor), lançado no mesmo ano de Consciência Culpada. O que se seguiu daí foi uma magnífica história de sucesso sem concessões à máquina hollywoodiana de se fazer filmes.

É difícil dizer o quanto O Matador tem de Corman, mas o fato é que a qualidade da obra é inegável e isso se repete em Consciência Culpada, de certa forma já deixando claro que ele sabia aliar orçamentos irrisórios com qualidade narrativa. No longa sob análise, a estrutura é básica: o veterano da Guerra da Coréia James “Jim” Henry (Richard Conte) é acusado de assassinar uma mulher em Las Vegas e, depois de reagir à prisão, passa a ser perseguido pela força policial de Nevada e da Califórnia e acaba procurando refúgio pegando carona com a carrancuda fotógrafa H. G. Cummings (Joan Bennett) e a modelo Susan Willis (Wanda Hendrix) a caminho de uma sessão de fotografias em um resort no deserto. Dentro dessa estrutura, o roteiro que, depois de diversas modificações, acabou creditado a Herb Meadow e Jerome Odlum, trabalha com os detalhes da perseguição, deixando o espectador no suspense sobre a culpa de Jim, o que mantém o longa constantemente instigante.

Ajuda muito que Conte sempre tenha sido um daqueles atores confiáveis, que entrega costumeiramente boas atuações com qualquer tipo de material. Seu semblante nunca entrega de verdade o que ele sente ou pensa, o que ajuda na manutenção da verossimilhança narrativa sobre o que realmente aconteceu na noite do assassinato, mesmo que o roteiro exagere nas circunstâncias em que Jim escapa por um triz das garras da lei. De maneira semelhante, Bennett e Hendrix, vivendo duas personagens femininas muito diferentes, quase que completamente opostas, na verdade, encaixam-se na obra, a primeira mantendo o cenho sempre cerrado, evitando aproximar-se e também mantendo mistério, enquanto a segunda mergulha no que podemos chamar de arquétipo da mulher bonita que sente atração pelo homem potencialmente perigoso.

Com filmagens nas locações desérticas de uma Las Vegas ainda no começo de seu desenvolvimento meteórico e imediações, com a sequência climática ocorrendo no Mar de Salton, bem em cima da famosa Falha de Santo André, o longa deixa evidente seu baixo orçamento ao mesmo tempo que mostra um excelente uso do pouco dinheiro que havia disponível. Novamente, é difícil saber o quanto disso – se alguma coisa – foi em razão do envolvimento de Corman, mas fato é que o produtor, roteirista e diretor usou muito bem o que viu e aprendeu durante a produção de Consciência Pesada ao longo de toda sua longeva e inimitável carreira na Sétima Arte que lhe valeu créditos nas mais diferentes capacidades em mais de 500 obras, muitas delas marcantes e memoráveis.

Consciência Culpada, portanto, serviu de surpreendentemente sólidos alicerces para um verdadeiro monstro da produção cinematográfico que ajudou a moldar e para sempre mudar a face de uma Hollywood então ainda muito presa a um sistema rígido de fazer Cinema. Quem diria que foi esse mesmo sistema fazendo o que faz de melhor, ou seja, recusar-se a reconhecer talentos, acabou levando à formação e criação de um dos ícones que subverteu as regras de Hollywood e que abriu caminho para tantos e tantos outros, não é mesmo?

Consciência Culpada (Highway Dragnet – EUA, 1954)
Direção: Nathan Juran
Roteiro: Herb Meadow, Jerome Odlum (baseado em história de U.S. Andersen e Roger Corman)
Elenco: Richard Conte, Joan Bennett, Wanda Hendrix, Reed Hadley, Mary Beth Hughes, Iris Adrian, Harry Harvey, Tom Hubbard, Frank Jenks, Murray Alper, Zon Murray, House Peters Jr., Joseph Crehan, Charles Anthony Hughes, Bill Hale, Fred Gabourie, Johnny Duncan
Duração: 71 min.

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