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Crítica | Conselhos de um Serial Killer Aposentado

É o que o título promete e muito mais!

por Ritter Fan
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A estreia do cineasta turco Tolga Karaçelik (Sarmasik, Entre Irmãos) em uma produção em língua inglesa não poderia ter sido melhor. O diretor e roteirista costura uma história de humor ácido com veia absurdista que extrai o melhor de seu elenco principal – John Magaro, Steve BuscemiBritt Lower – e que parece beber sem nenhuma vergonha da filmografia dos Irmãos Coen em começo de carreira, em que o orçamento baixo impedia voos mais altos e ambiciosos, mas não com menos qualidade. É perfeitamente possível até mesmo confundir a proveniência da obra, já que Karaçelik procura ao máximo localizar sua obra em Nova York, sem trazer consigo nada que lembre diretamente suas obras anteriores, o que pode ser interpretado como uma escolha dele de criar algo para uma audiência mais ampla ocidental, sem deixar que eventuais preconceitos do tipo “ah não, um diretor turco…” impeçam a circulação de sua pequena pérola.

Na história, o autor literário Keane (Magaro) passa por um bloqueio criativo há quatro anos tentando escrever seu segundo romance, dessa vez sobre uma história de amor entre uma homo sapiens e o último neandertal passada há 40 mil anos em algum lugar da Eslovênia. Sua esposa Suzie (Lower), uma decoradora de interiores, por seu turno, não aguenta mais a condescendência de seu marido e pede o divórcio. Mas tudo muda da noite para o dia quando Keane conhece Kollmick (Buscemi), que se apresenta como um assassino em série aposentado que deseja contribuir para um livro sobre serial killers a ser escrito pelo autor, com as circunstâncias transformando Kollmick em um terapeuta de casal para Keane e Suzie de dia e um consultor sobre a mente dos assassinos para Keane à noite.

Não demora absolutamente nada para que Suzie comece a desconfiar que seu marido está tentando assassiná-la e ela, então, o segue durante uma dessas noites de “aulas” de Kollmick que acaba sendo uma noite particularmente movimentada, em que o ex-serial killer decide ensinar algumas coisas na prática para seu pupilo. O que segue, daí, é uma comédia de erros passada durante uma noite em Nova York em que tudo dá errado (ou certo demais, depende do ponto de vista) para Kollmick e Keane e que acaba atraindo e fascinando e não afastando e repugnando Suzie, o que já diz muito sobre a personagem, claro. O roteiro sustenta bem o humor corporal, com Magaro e especialmente Buscemi trabalhando seus personagens como dois trapalhões que não conseguem enxergar as insanidades que cometem em uma cidade hilariamente vazia que lhes permitem fazer o que bem entendem sem nenhum tipo de cuidado, o que adiciona uma boa camada crítica sobre como uma metrópole é capaz de albergar qualquer coisa e sua população sequer percebe que algo de muito errado está acontecendo debaixo de seus narizes.

Mas o verdadeiro trunfo de Karaçelik é reconhecer os talentos que tem diante de suas câmeras, dando espaço para os atores entregarem ótimas performances cômicas no melhor estilo deadpan, ou seja, mantendo-se inexpressivos. Magaro e Buscemi, juntos, representam dois lados de uma mesma moeda, o primeiro frenético, desequilibrado e pronto para sair correndo no menor sinal de perigo e o segundo calmo, organizado e frio, sempre capaz de adaptar-se, algo que, claro, vem de sua experiência como assassino (isso se aceitarmos que ele não é, apenas e tão somente, um maluco que se faz passar por um ex-matador, claro). Lower, por seu turno, constrói sua personagem dando absoluto tempo ao tempo, sem pressa para nada, lentamente caminhando de uma esposa aparentemente fria e distante para algo muito mais interessante, mas sempre mantendo sua compostura.

A fotografia de Natalie Kingston evoca a atmosfera capturada por Martin Scorsese em seu brilhante Depois de Horas, com aquele jeito de “noite urbana esfumaçada” de ser que empresta ao filme um tempero de thriller que ele nunca realmente é ou pretende ser, mas que funciona bem para toda a abordagem farsesca de Karaçelik. As locações e cenários decadentes e vazios ajudam nessa composição por vezes quase fantasmagórica que acaba tornando possível que o espectador compre sem dificuldades os encaixes absurdos que o roteiro faz, sejam os dois primeiros encontros de Keane com Kollnick, a presença de uma lhama em um bar de um gângster albanês ou a “perseguição” de Suzie a seu marido e o respectivo desfecho que faz sentido diante da surrealidade daquilo que foi apresentado, mas que não deixa de ser comicamente surpreendente. Conselhos de um Serial Killer Aposentado é, portanto, uma delícia de filme que faz o melhor uso possível de três ótimos personagens em situações insanas descobrindo quem eles são ou… acham que são.

Obs: Crítica originalmente publicada em 03 de outubro de 2025, como parte da cobertura do Festival do Rio 2025. Republicada hoje, em razão do lançamento do filme em circuito comercial de cinema.

Conselhos de um Serial Killer Aposentado (Psycho Therapy: The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write About a Serial Killer – Estados Unidos/Turquia, 2024)
Direção: Tolga Karaçelik
Roteiro: Tolga Karaçelik
Elenco: John Magaro, Steve Buscemi, Britt Lower, Ward Horton, Olli Haaskivi, Sydney Cole Alexander
Duração: 102 min.

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