O documentário Entre Lençóis: Os Bastidores de Instinto Selvagem 2 oferece uma análise intrigante das estratégias narrativas adotadas pela equipe de produção para criar uma sequência quase duas décadas após o lançamento do primeiro filme. Para muitos, o original, que estreou em 1992, tornou-se um marco no cinema hollywoodiano, não apenas por sua audaciosa abordagem da sexualidade, mas também por suas polêmicas e debates acalorados. A dinâmica eletrizante entre os protagonistas, Michael Douglas e Sharon Stone, serviu como um combustível dramático que incendiou a imaginação do público. Contudo, a equipe de Instinto Selvagem 2 enfrentava a difícil tarefa de não apenas continuar essa narrativa, mas de redefini-la para uma nova era. O documentário, ao trazer entrevistas com diretor, elenco e equipe técnica, revela os desafios e as intenções que guiariam a produção, questionando o que poderia ser considerado uma sequência digna do legado anterior.
A produção de Instinto Selvagem 2, sob a direção de Michael Caton-Jones, traz consigo a responsabilidade de não apenas revisitar um mundo cinematográfico que se tornou um símbolo de sensualidade e intriga, mas de apresentar uma narrativa que se destacasse por sua própria essência. O documentário revela a decisão consciente de deslocar a ação para Londres, uma mudança que não só evitava estereótipos associados à narrativa original, mas também introduzia novas dinâmicas visuais e sonoras. As ruas sombrias e a arquitetura meticulosamente escolhida da cidade se tornam personagens em si mesmas, refletindo a ambiguidade e a complexidade da trama. Ao utilizar a famosa trilha sonora de Jerry Goldsmith, reinterpretada por John Murphy, os realizadores não apenas honraram o legado do original, mas também criaram um envolvimento emocional com o espectador que se alinha com a nova visão da narrativa.
No coração do filme, segundo o documentário, reside uma premissa de dedução e ambiguidade, onde a tensão sexual é amplificada, por meio de outras nuances. A maneira como Sharon Stone, interpretando novamente Catherine Trammell, executa uma cena de abertura que simula um ato sexual, demonstra a disposição da atriz em correr riscos, refletindo a natureza intrínseca da personagem que ela encarna. A cena, realizada em três dias e meio, é emblemática da abordagem meticulosa e arriscada adotada pelos criadores. Ao discutir a evolução da personagem de Catherine, os entrevistados sublinham sua complexidade e ambiguidade moral. Ela se destaca como uma mulher fatal não apenas pela sua beleza, mas pela sua mente manipuladora e amoral. Esta continuação, portanto, não é apenas uma repetição da história anterior. É uma reinterpretação que busca explorar as profundezas do desejo humano, poder e críticas sociais, permitindo que a personagem central redefina a narrativa a partir de uma perspectiva contemporânea.
Finalmente, o documentário serve como uma reflexão não apenas sobre as escolhas criativas de Instinto Selvagem 2, mas também sobre os desafios que vem com a continuidade de um legado cinematográfico. A inevitabilidade de comparações com o filme original é um tema recorrente nas conversas dos entrevistados, mas a intenção de entregar algo diferente e provocativo permanece central. A cidade de Londres, com sua arquitetura sensual e atmosferas sombrias, transforma o pano de fundo da narrativa em um componente vital da história. A decisão de não representar a cidade por meio de clichês turísticos, mas sim como um lugar de ambiguidade e sedução, contribui para uma experiência cinematográfica mais rica e complexa. Entre Lençóis não só oferece uma visão sobre o processo criativo desta sequência, mas também provoca questionamentos mais amplos sobre o que significa criar uma continuação em um mundo cinematográfico em constante mudança, onde os temas da sexualidade, moralidade e poder sempre estão em evolução.
A história da produção de Instinto Selvagem 2 revela um complexo entrelaçamento de desafios e controvérsias que marcaram o processo criativo. Desde o seu anúncio em 2000 para o lançamento em março de 2002, o filme enfrentou uma série de obstáculos relacionados à escolha do elenco. A figura central da controvérsia foi a seleção do protagonista masculino. Inicialmente, Michael Douglas, que interpretou Nick Curran no icônico primeiro filme, foi considerado para reprisar seu papel. Contudo, o ator se recusou, alegando que já estava “velho demais” para o papel e que o filme original havia sido “feito de forma perfeitamente eficaz”. Essa decisão de Douglas foi o início de uma longa e complicada busca por um novo protagonista, que foi marcada por recusas de pesos pesados de Hollywood. Robert Downey Jr., já escalado, foi preso por porte de drogas, enquanto Kurt Russell sentiu-se desconfortável com as cenas de nudez. Pierce Brosnan também desistiu, considerando o roteiro complicado, e Benjamin Bratt acabou sendo banido do projeto por Sharon Stone, que alegou que ele “não era um bom ator”. A dificuldade em encontrar um ator adequado para assumir um papel crítico tornou-se emblemática do projeto, que logo se viu em águas turbulentas.
A situação culminou no cancelamento do projeto e no subsequente processo de Sharon Stone contra os produtores por quebra de contrato. Isso revela não apenas a tensão entre os criadores e os talentos envolvidos, mas também a importância de Stone como um elemento chave na realização do filme. Ao longo do desenvolvimento, o projeto passou pelas mãos de vários diretores, inclusive Jan de Bont, eficiente diretor de fotografia de Instinto Selvagem, mas um desastre na sequência Velocidade Máxima 2, filme que quase afundou a carreira de Sandra Bullock. Paul Verhoeven, que integra o legado do filme original, também declinou da proposta. A direção finalmente caiu nas mãos de Michael Caton-Jones, que, após uma fase atribulada, conseguiu reerguer a produção. Em 2004, antes que o caso de Stone chegasse a julgamento, as partes chegaram a um acordo, permitindo que a ideia original fosse mantida. Stone voltou a ser vista como uma figura fundamental no desenvolvimento do filme, pois sua escolha do protagonista masculino resultou na seleção de David Morrissey, que trouxe uma nova dinâmica à narrativa, por sinal, eficiente, apesar de o filme ter sido recebido com descaso pela crítica.
As filmagens aconteceram de abril a agosto de 2005 em Londres, e o filme foi lançado em 31 de março de 2006. No entanto, a expectativa em torno de Instinto Selvagem 2 rapidamente transformou-se em desapontamento. O filme, orçado em cerca de US$ 70 milhões, arrecadou apenas US$ 38,6 milhões nas bilheteiras, tornando-se um fracasso notável em termos financeiros. Além disso, a recepção crítica foi, em sua maioria, negativa ou moderada, contrastando de maneira significativa com o primeiro filme, que havia se tornado um clássico cult. O grande elemento que impulsionou o sucesso do primeiro Instinto Selvagem foi sua ousadia narrativa e o desempenho carismático de Sharon Stone. Essas qualidades, no entanto, estavam ausentes na sequência, levantando questões sobre a eficácia de revisitar uma história tão emblemática sem o mesmo nível de entusiasmo ou inovação.
Em linhas gerais, o resultado frustrante da produção de Instinto Selvagem 2 ilustra não apenas as dificuldades enfrentadas em Hollywood, mas também a fragilidade dos projetos cinematográficos que dependem fortemente de sua história e de seus protagonistas. O fracasso da sequência impossibilitou planos para um terceiro filme, refletindo uma tendência comum na indústria do cinema: a dificuldade em replicar o sucesso de um filme original. Mais do que uma análise fria de números, o caso de Instinto Selvagem 2 é uma lição sobre os riscos que envolvem a produção cinematográfica e a importância de manter uma visão clara e um elenco alinhado. A reputação e a história de um filme não podem ser simplesmente repetidas; é essencial que os novos projetos tragam frescor e criatividade, respeitando o legado estabelecido, mas também desafiando as expectativas do público. Uma das alegações, em análises diversas, foi a ausência de uma figura masculina à altura do furacão amoral e psicológico de Catherine Trammell.
Instinto Selvagem 3? Não mais. Talvez uma refilmagem no futuro, acredito, sem o mesmo vigor.
Entre Lençóis: Os Bastidores de Instinto Selvagem 2 (Between the Sheets: A Look Inside ‘Basic Instinct 2, Reino Unido – 2006)
Direção: Mario Kasssar
Roteiro: Mario Kasssar
Elenco: Sharon Stone, Anne Caillon, Charlotte Rampling, David Morrissey, David Thewlis, Hugh Dancy, Iain Robertson, Stan Collymore, Michael Caton-Jones, Leora Barish, Henry Bean
Duração: 11 minutos