Home Diversos Crítica | Folhas de Relva, de Walt Whitman

Crítica | Folhas de Relva, de Walt Whitman

Com estilo revolucionário e repleta de simbolismos, uma obra-prima da poesia do século XIX.

por Leonardo Campos
308 views

Saber quem foi Walt Whitman também é algo importante para a nossa melhor compreensão de Folhas de Relva: poeta, ensaísta, conhecido como o pai do verso livre. Eis algumas das alcunhas deste revolucionário agitador do século XIX, figura que trabalhou com impressão, editou jornais diários de circulação considerável para a época, além de ter uma relação muito próxima com a tipografia, elemento peculiar do processo de composição de seus versos, geralmente livres, longos e brancos, ecoantes dos ritmos da fala. Entre 1861 e 1865, registrou algumas contribuições como enfermeiro voluntário na Guerra Civil Americana, evento que provavelmente trouxe questões para o desenvolvimento de sua poesia. Chamado de Homem Orquestra por Gilberto Freyre numa conferência em 1947, no Rio de Janeiro, Whitman revolucionou, mas não deixou de passar pelos perrengues, algo comum para quem estabelece polêmicas.

Vocabulário vasto, pensamento estabelecido como um rizoma, a crescer horizontalmente. Assim é a relva de Walt Whitman, poesia que tira a arte literária em questão do plano elitista e a coloca numa posição alcançável. Em seu estilo revolucionário, repleta de simbolismo, Folhas de Relva traz poemas focados na alma, na adoração do corpo, numa composição que se centrava na audição de seu público. Estranha para aqueles acostumados com rimas, o material também tratou de homossexualidade, numa época em que o termo sequer existia para o que é denominado nos dias atuais. Citado em Sociedade dos Poetas Mortos e conteúdo essencial para a última temporada do fenômeno televisivo Breaking Bad, devo dizer que o livro possui extenso legado e impacto cultural, mas não é um arcabouçou literário de assimilação fluente para qualquer leitor. É preciso uma espécie de pacto para não apenas compreende-lo melhor, mas também aproveitar os seus versos para momentos diletantes.

Walt Whitman já fazia parte de minha estante, afinal, sou um leitor, crítico e professor de literatura preocupado em conhecer ao máximo os grandes clássicos para a introdução diante de minhas turmas repletas de jovens ávidos por redes sociais e leituras em cápsulas sucintas. No entanto, curioso como a sua entrada na agenda de leituras veio após descobrir o fascínio de Bram Stoker pelo poeta, a ponto de trocar correspondências e se inspirar em sua imagem para elaboração de alguns elementos de Drácula, a sua obra-prima publicada em 1897. Um clássico me levando a outro, num processo de retroalimentação típico das dinâmicas culturais de uma tradição em que ninguém escreve sozinho, mas se associa com o já estabelecido para criar os seus pontos de partida. Quem diria que um poeta considerado obsceno e preguiçoso pelo público de sua época hoje é um renomado imortal do cânone literário ocidental? Foi preciso o avançar da sociedade para que a sua obra fosse acolhida e devidamente interpretada e respeitada.

A edição conferida foi a da editora Iluminuras, versão que dialoga com a primeira publicação de Folhas de Relva, bancada pelo próprio poeta. O poema central ainda é Canção de Mim Mesmo, tendo como palavras-chave o corpo e a alma, síntese entre individuo e comunidade, o plano físico e o plano espiritual, no geral, estas dualidades que nos compõem, numa poesia sobre união de opostos. Whitman versa também sobre a proximidade e tranquilidade diante da morte, numa composição que pede uma leitura ativa do poema, num jogo em que o leitor necessita compreender o que aquela exposição diz para si. Destaque ainda para Partindo de Paumanok e Inscrições. Quem embarcar nesta jornada com certo tom cósmico, vai se deparar com temática polifônica, sexualidade, elucubrações patrióticas, dentre outros tópicos temáticos.

Com sua técnica inspiradora, inovou e estabeleceu um terreno profícuo para os modernistas das gerações posteriores, conhecido também por celebrar o futuro de sua nação em sua poesia de temática abrangente e democrática. Imprimiu em seus versos doses generosas de panteísmo e, como noutros casos de escritores da época, passou por ameaças, acusação de indecência, risco de suspensão na distribuição de seus livros. Em seus últimos anos de vida, teve como marco a pobreza, sendo ajudado por amigos para se manter, alijado da possibilidade de gozar dos privilégios provenientes dos frutos colhidos pela sua colaboração intelectual, reconhecida apenas na posteridade. Em linhas gerais, Walt Whitman foi devidamente aclamado apenas após a sua morte, tendo sido um homem de vida longa, apesar das celeumas de saúde delineadas em sua autópsia, investigação que revelou uma série de estragos em órgãos que reforçam o quão surpreendente foi este poeta ter vivo tanto tempo face aos problemas em seu físico.

Folhas de Relva (Leaves of Grass – EUA, 1855)
Autor: Walt Whitman
Editora: Iluminuras
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
Páginas: 320

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais