Home FilmesCríticasCatálogosCrítica | Garota de Ipanema (1967)

Crítica | Garota de Ipanema (1967)

Um experimento do Cinema Novo mais comercial e mais musical.

por Davi Lima
15 views

Seus olhos mentem quando você fala. Seus olhos; eu conheço a alma através dos olhos. É minha profissão. – fotógrafo

O filme Garota de Ipanema pertence a dois mundos. Um é o Cinema Novo, intenso na década de 1960 no Brasil. O outro é o universo comercial e elitizado de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, da música que dá nome ao filme. Se observarmos quem compõe o grupo de argumentistas, temos a história brasileira na música, no cinema e nos documentários. Enquanto a direção de Leon Hirszman traz a estética radical do Cinema Novo, incômoda no zoom agudo ou no primeiríssimo plano, há muita música e o clima carioca da boemia da década de 1960. É nessa mistura que surge um experimento comercial, como uma tentativa de popularizar ideias estéticas de Glauber Rocha e companhia.

No mesmo ano em que o famoso Terra em Transe chega aos cinemas, Garota de Ipanema parece uma média política e social no contexto do início da ditadura civil-empresarial-militar. A história conta algo semelhante à música famosa, sobre uma garota de 17 anos “que vem e que passa num doce balanço a caminho do mar”, chamada Márcia, ansiando pelo verão no bairro de Ipanema antes do vestibular. Na narrativa, é muito presente seu cotidiano, que ora é preocupado com o futuro, ora simplesmente divertido em várias festas, seja na sua casa, na de outros, nos períodos festivos de Natal, Ano Novo e Carnaval. É nesse cotidiano que a média política aparece.

Por um lado, há uma clara invasão crítica na maneira como o diretor de fotografia Ricardo Aronovich grava as casas, os momentos musicais e as salas da elite carioca. Soa documentarista, num olhar que incentiva uma emoção de tédio e repetição, mesmo em meio a músicas bonitas e dançantes que ilustram os pensamentos da protagonista. Por outro lado, especialmente nos momentos musicais, como os de Chico Buarque, há um teor propagandista, como um clipe musical. Para se ter uma referência de contraponto, o curta-metragem de Rogério Sganzerla chamado Brasil, feito a partir do álbum de João Gilberto de 1981, mostra cantores da Tropicália de baixo, como algo por trás de um clima oficial. Já Leon Hirszman capta o olhar dos cantores, o sorriso, como um documentário vendável para o público que ouvia bossa nova — e até mesmo para americanos.

Por sinal, o primeiro conflito do filme, que vai mostrar a melancolia de Márcia, é exatamente quando oferecem a ela a oportunidade de ser gravada na praia por um diretor americano, mas seu namorado não permite. Daí ela sai do ponto seguro que narra no começo, do namorado, da escola, da família, e começa a viver um novo olhar sobre as festas que já frequentava, e ainda mais no verão de Ipanema. Daí surge o caráter radical do filme, dessa cisão amorosa que o novo conflito introduz no segundo terço da obra, com a chegada do fotógrafo.

A partir desse personagem, interpretado por Adriano Reys, o Cinema Novo fica ainda mais evidente. A figura do intelectual casado coloca a personagem na berlinda das indecisões. Paralelamente, seu amigo Zeca é o figurão da elite que voltou da França, alerta sobre o fotógrafo e tenta sempre “vigiar” a personagem, por fazerem parte da mesma família. Quando ele fala sobre as novidades europeias da arte, ela responde com fofocas sobre os militares. Enquanto isso, o fotógrafo diz: “Esquece tudo o que aprendeu. Esquece os quatro pontos cardeais. O catecismo. A tábua de logaritmos. Esquece a bomba. As guerras santas. O câncer. A luta de classes. A solidão. A mais-valia. O desencontro. A fome. O racismo. E a imensa vaidade do homem. Contempla o grande espetáculo do mundo.”

É nesse suposto triângulo amoroso que a melancolia da Garota de Ipanema se torna avalanche. De um filme que conta o cotidiano para um cenário transcendental de drama adolescente. A grandeza da direção de Leon Hirszman é percorrer isso sem perder a estética, embora pareça perder a personagem. Por se tornar ambíguo, o longa pode ser intencionalmente sobre Márcia se perder mesmo, por se mostrar sem reais pensamentos concretos quando lhe é dada a oportunidade de fugir com o fotógrafo, ou simplesmente era a maneira formal que o Cinema Novo ansiava mostrar ao público como “deveria ser o cinema”: profundo e intelectual. Por meio desses três personagens, tão brasileiros naquele contexto brasileiro, o verão vai se tornando mais inverno.

Na Mostra SP de 2025, o filme esteve na sessão das películas restauradas. Por mais que não seja nenhum auge de qualidade cinematográfica, há aqui um marco histórico de transições e experimentações de um cinema mais popular, misturado com intelectualismo, crítica e resistência à ditadura. Tudo isso envolto no imaginário e na cultura internacional da música mais regravada no Brasil e por aí afora. Esquecer desse filme é esquecer o intelectualismo fúlgido do fotógrafo, do rico que vem da Europa para espalhar ideias artísticas, e dos adolescentes alienados e divertidos da praia de Ipanema, que encontravam no mar o seu carnaval sem máscaras. Essa pluralidade é distintamente nacional.

Garota de Ipanema – Brasil, 1967
Direção: Leon Hirszman
Roteiro: Eduardo Coutinho, Leon Hirszman, Vinicius de Moraes e participação de Glauber Rocha
Elenco: Márcia Rodrigues, Adriano Reys, Arduíno Colassanti, Jose Carlos Marques, Irene Stefânia, Ruy Sohlberg, Rosita Thomaz Lopes, João Saldanha, Iracema de Alencar, Rubem Braga, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Ziraldo
Duração: 90 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais