Eu gosto muito do trabalho de Jonathan Hickman na Marvel Comics. Eu o vejo como um roteirista que não tem medo de abraçar o mundo, de sacudir o status quo, de criar linhas narrativas ambiciosas, ainda que por vezes até demais. No entanto, de 2024 para cá, tive duas decepções feias com ele, uma em Aliens vs. Vingadores e outra em Wolverine: Vingança, mas, por outro lado, nesse mesmo período, seu trabalho em Ultimate Homem-Aranha tem sido refrescante, certamente compensando esses dois citados tropeços. Mas o que eu estava mesmo curioso para conferir era o mais novo evento cósmico da editora que seria capitaneado por ele como uma espécie de pontapé inicial para ele novamente mexer com esse canto do Universo Marvel como ele fez lá atrás com Infinito. E o resultado é a minissérie em quatro edições Imperial, que foi acompanhada de cinco one-shots intitulados Imperial War (Guerra Imperial), cada um dedicado a um ou mais personagens envolvidos na saga principal, com essas nove edições, em conjunto, sendo objeto da presente análise.
No entanto, de início vou pedir vênia para reiterar uma reclamação que tenho feito com alguma constância sobre a forma como diversos personagens das grandes editoras de super-heróis dos EUA são desenhados. Independente de quem é o responsável pela arte – e são vários os desenhistas entre Imperial e os cinco Imperial War -, todo e qualquer personagem é recriado com rostos de jovens adultos, pouco importando se é um personagem mais maduro das editoras. E isso é marcante em Imperial a ponto de incomodar, pois é muito claro que existe um mandamento na editora em rejuvenescer todo mundo, um raciocínio canhestro que muito provavelmente vem da percepção obviamente errônea que leitores jovens só podem ver personagens jovens nas páginas das HQs que adquire. É ridículo, por exemplo, ver Richard Rider e Amadeus Cho visualmente com a mesma idade. É mais ridículo ainda ver T’Challa e Bruce Banner com, no máximo, com boa vontade, com 30 e bem poucos anos de idade. Qual é o problema em desenhar personagens maduros, claramente com 40 ou 50 anos? Vai afastar leitores? Vai “revelar” que existem gerações diferentes em histórias publicadas há dezenas de anos? Vai aterrorizar os jovens mostrando que eles também envelhecerão?
Ultrapassado esse ponto, vamos ao evento que começa com dois personagens mantidos em segredo até a terceira edição, mas que um deles qualquer leitor minimamente mais experiente seria capaz de adivinhar de imediato, iniciando um jogo cujo primeiro movimento que vemos é Hulk, Mulher-Hulk e Amadeus Cho em uma nave viajando para Sakaar en Nevo em razão da morte de Hiro-Kala, filho do Hulk e rei do planeta. Lá chegando, eles descobrem que o monarca foi assassinado com um veneno muito especializado e que essa mesma substância foi também usada para matar outros três líderes da União Galáctica, o que leva Hulk e Cho para Fulcrum City, sede da união agora comandada por J’son, pai de Peter Quill, em razão de sua filha, a Imperatriz Victoria, ter sido também envenenada, mas mantida viva por ter sido colocada em estase. O que segue, daí, é realmente um jogo entre os diversos impérios galácticos do Universo Marvel – os Shi’ar, Spartax, o Império Krre-Skrull, os Kymelianos, os Rigelianos e, claro, o Império Intergaláctico de Wakanda -, em que as peças são movidas de modo a manobrar cada um deles com objetivo funesto que é revelado quando finalmente Hickman mostra quem é que está por trás de tudo, um nome que surpreende, mas que faz todo sentido, diria.
O interessante de Imperial é que não se trata, apenas, de um conflito entre impérios, mas, também, conflitos internos em cada império ou, pelo menos, nos mais relevantes, de maneira que a convergência da pancadaria espacial se dá em diversas frentes com interesses diferentes que são muito bem exploradas por Hickman. Não, não… Mentira. Estou apenas deixando minha empolgação falar mais alto, já que adoro essas sagas cósmicas. Hickman, aqui, sofre do mesmo tipo de problema que sua minissérie Aliens vs. Vingadores sofreu: a falta de páginas. Muito diferente de Casa de X/Poderes de X, que remodelou radicalmente os mutantes no Universo Marvel (pelo menos por um tempo), que começou com essa dobradinha em 12 edições intercaladas, aqui Hickman só tem míseros quatro números para contar toda a sua história que, como fica claro pelos meus comentários anteriores, é vasta e repleta de peças móveis, intrigas e interesses escusos que simplesmente são jogados de qualquer jeito, com a ação basicamente se resumindo a meia dúzia de personagens, Peter Quill, Richard Rider, Shuri, Pantera Negra e alguns outros gatos pingados. Até mesmo o Hulk tem participação tangencial, com Xandra, imperatriz Shi’ar (e filha do Professor X com Lilandra), e sua tia Rapina ganhando mais destaque do que o Gigante Esmeralda depois que a ação em Sakaar en Nevo acaba na primeira parte da primeira edição.

E nem adianta argumentar que os cinco one-shots Imperial War ajudam a desenvolver a linha narrativa principal, pois esse simplesmente não é o caso. A estratégia de Hickman, que co-roteirizou cada uma dessas cinco edições “extras”, é apenas explicar em detalhes algumas ausências e determinados momentos não exatamente relevantes para o desdobramento de sua saga cósmica, tudo com o objetivo de permitir que novas edições mensais sejam lançadas a partir do fim da saga. Por exemplo, em Imperial War: Planet She-Hulk, vemos a Mulher-Hulk temporariamente governando Sakaar en Nevo depois que o Hulk vai para Fulcrum City e desvendando um assassinato. É uma história muito divertida que revive a comicidade da personagem de priscas eras, mas ela é completamente autocontida. Em outro one-shot, Imperial War: Nova – Centurion, vemos a expansão de um breve momento na saga em que Richard Rider coloca o capacete que contém o backup da Mente Global Xandariana (a original ficou lá no Cancerverso) para descobrir quem está por trás de toda as manipulações, com o herói conversando com a Mente Global em um ambiente de realidade virtual que é um cemitério dos integrantes da Força Nova. É uma HQ que gostei muito por ser fortemente pessoal para o Nova, um de meus personagens favoritos da Marvel e por ser a única que tem uma arte – por Matteo Della Fonte – que dribla o mandamento de só desenhar gente jovem e recria Rider como um homem adulto maduro. No entanto, ela nada acrescenta à saga em si.
Em outras palavras, nesse espaço minúsculo, Hickman não consegue ser Hickman e precisa trabalhar com elipses enlouquecidas para dar conta de suas pretensões expansivas que picotam Imperial completamente a ponto de tornar a chegada do “grande marionetista” algo sem nenhuma pompa, circunstância e, pior ainda, consequência. Afinal, mesmo que mortes sejam tabu, fica subentendido que pelo menos milhares de pessoas morreram na guerra (que, aliás, é extremamente breve também por falta de espaço) e tudo ser resolvido da maneira como é resolvido chega a ser risível, praticamente depondo contra os valores de todos os supostos super-heróis que povoam a história, talvez com exceção de Rider em razão de sua moral ilibada a ponto da teimosia. Outro problema da velocidade como tudo tem que ser contado, alguns personagens com décadas de desenvolvimento nos quadrinhos revertem a não mais do que “adolescentes bobões”, como é notavelmente o caso de Peter Quill, mas que afeta até mesmo, por incrível que pareça, Bruce Banner e T’Challa.
Sobre os demais one-shots que não mencionei, Imperial War: Exiles trata do destino de Xandra e Rapina quando, em determinada altura na saga, elas desaparecem, em uma HQ que é descaradamente demais o começo de uma mensal que levará o nome Exiles (ou Exilados), com a participação do Professor X e Lilandra. Imperial War: Black Panther desenvolve o conflito entre o Pantera Negra e os Hulks (o original e Cho) e funciona marginalmente como algo interessante, mostrando a capacidade estratégica de T’Challa e a forma como ele encara o conflito. Por último, Imperial War: Imperial Guardians é o mais diferente dessas edições únicas, pois a ação se passa nove meses antes do conflito, introduzindo personagens que não são utilizados em Imperial: Gamora, Falcão de Aço e Capitã Marvel. Essa trinca investiga rumores sobre o reaparecimento de Veranke, a sacerdotisa Skrull uma vez venerada como deusa, que foi responsável por Invasão Secreta e cujas imagem e lições são invocadas fortemente durante a saga. Não só a trinca de heróis é inusitada, mas muito bem balanceada, com Falcão de Aço sendo trabalhado muito bem, como a investigação em si traz elementos de fanatismo religioso e de manipulação da religião que fazem a HQ valer a pena, mesmo que ela, assim como Exiles, seja a porta de entrada para uma nova mensal que, claro, será intitulada Imperial Guardians.
Sofrendo de falta de espaço, algo que não combina com a megalomania da saga, Jonathan Hickman não entrega Imperial, mas sim um resumo do que ele realmente gostaria de fazer. É uma pena que a Marvel Comics pareça afobada demais com suas publicações de evento a ponto de limitar nomes importantes que sempre produziram muito para a editora. Ainda é uma boa leitura, mas Imperial poderia ter sido muito facilmente uma nova Infinito.
Imperial (EUA, 2025)
Contendo: Imperial #1 a 4, Imperial War: Nova – Centurion #1, Imperial War: Planet She-Hulk #1, Imperial War: Imperial Guardians #1, Imperial War: Exiles #1 e Imperial War: Black Panther #1
Roteiro:
Imperial #1 a 4: Jonathan Hickman
Imperial War: Planet She-Hulk: Stephanie Phillips e Jonathan Hickman
Imperial War: Exiles: Steve Foxe e Jonathan Hickman
Imperial War: Nova – Centurion: Jed MacKay e Jonathan Hickman
Imperial War: Imperial Guardians: Dan Abnett e Jonathan Hickman
Imperial War: Black Panther: Victor LaValle e Jonathan Hickman
Arte:
Imperial #1 a 4: Iban Coello e Federico Vincentini
Imperial War: Planet She-Hulk: Emilio Laiso
Imperial War: Exiles: Francesco Manna e Davide Tinto
Imperial War: Nova – Centurion: Matteo Della Fonte
Imperial War: Imperial Guardians: Cory Smith (com Wayne Faucher nas tintas) e Luca Maresca
Imperial War: Black Panther: Cafu
Cores:
Imperial #1 a 4: Federico Blee
Imperial War: Planet She-Hulk: Matt Milla
Imperial War: Exiles: Erick Arciniega
Imperial War: Nova – Centurion: Yen Nitro
Imperial War: Imperial Guardians: Espen Grundetjern
Imperial War: Black Panther: David Curiel
Letras:
Imperial #1 a 4: Cory Petit, Ariana Maher (Imperial #2 e 3)
Imperial War: Planet She-Hulk: Joe Caramagna
Imperial War: Exiles: Clayton Cowles
Imperial War: Nova – Centurion: Cory Petit
Imperial War: Imperial Guardians: Cory Petit
Imperial War: Black Panther: Ariana Maher
Editoria: Lindsey Cohick, Annalise Bissa, Tom Brevoort, C.B. Cebulski
Editora: Marvel Comics
Datas originais de publicação:
Imperial #1 a 4: 04 de junho, 16 de julho, 20 de agosto e 29 de outubro de 2025
Imperial War: Planet She-Hulk: 27 de agosto de 2025
Imperial War: Exiles: 03 de setembro de 2025
Imperial War: Nova – Centurion: 10 de setembro de 2025
Imperial War: Imperial Guardians: 08 de outubro de 2025
Imperial War: Black Panther: 27 de agosto de 2025
Páginas: 312
