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Crítica | Indiana Jones e o Grande Círculo

Uma nova aventura para o lendário arqueólogo.

por Kevin Rick
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Depois de mais de uma década do lançamento de Indiana Jones e o Cajado dos Reis, o maior personagem do gênero de aventura finalmente ganhou um novo jogo, dessa vez com alto orçamento em um projeto ousado com a participação de grandes desenvolvedoras como MachineGames e Bethesda Softworks. Situado entre Os Caçadores da Arca Perdida e A Última Cruzada, o jogo apresenta uma narrativa inédita, em que Indy se vê envolvido em um mistério global após um ataque à universidade onde leciona. O roubo de uma relíquia leva Indy a uma jornada por diversos cantos do mundo, sempre um passo atrás de forças nazistas lideradas pelo enigmático Emmerich Voss. O centro da trama gira em torno do “Grande Círculo”, uma alusão a uma estrutura de poder ancestral conectada a culturas antigas e a catástrofes de origem mítica. Com a ajuda da jornalista Gina Lombardi, Jones precisa decifrar símbolos, lidar com conspirações esotéricas e enfrentar inimigos que buscam transformar artefatos antigos em instrumentos de dominação.

A narrativa, ainda que independente, se encaixa organicamente ao cânone dos filmes e recria o espírito da franquia com autenticidade, misturando ação, humor e elementos históricos com o toque sobrenatural característico de suas melhores aventuras. Inclusive, o tributo à franquia está presente logo no prólogo que adapta o início do primeiro filme como uma espécie de tutorial que dita o tom de homenagem e resgate dos longas-metragens, mas que também introduz a identidade do jogo dentro desse universo. O primeiro elemento que salta aos olhos são os gráficos, com ambientes que ostentam texturas refinadas, variação de iluminação realista e atenção minuciosa a detalhes (poeira, folhagens, escuridão de catacumbas) – para quem está acostumado com produções AAA, tudo pode parecer “normal”, mas é um novo patamar para os jogos da franquia. Junta-se a isso as ótimas reinterpretações da trilha sonora de John Williams e a baita interpretação de Troy Baker, encarnando o Indy de Harrison Ford com o mesmo charme e carisma do ator, e temos uma receita que parece nostalgia, mas que na verdade é uma grande imersão em uma aventura fresca, como se estivéssemos dentro de um novo filme do personagem.

Vou evitar spoilers, mas posso dizer que a história é tudo que queremos do Indy: humor com pitadas irônicas, atmosfera histórico-fantasiosa, situações recheadas de tensão, resgate e reviravoltas que variam entre grandes set-pieces e blocos de exploração, com uso extenso de diversos puzzles. Assim, o desbravamento por uma aventura global brinca com estilos: fases de furtividade suave, níveis de ação circunspecta, resoluções de quebra-cabeças intrincados e desafios ambientais que variam constantemente, mantendo os blocos de gameplay sempre refrescantes. O jogo raramente soa repetitivo e a história, apesar de relativamente simples em conceitos e temas (nazistas e fascistas como vilões, MacGuffins, texto repleto de elementos históricos), se mantém constantemente engajante em sua exploração rica, sempre se movendo e repleta de segredos que nos dá o palco para interagir com a grande descoberta arqueológica da vez.

Pensando nesse sentido de descobrimento, aprecio a maneira como o jogo dá espaço para as zonas de exploração. Entre o Vaticano, o Egito, a Tailândia e a antiga cidade suméria de Ur, temos uma variedade de cenários que se desdobram em áreas amplas porém contidas, como um híbrido entre cenários organizados e mapas singulares, todos repletos de passagens, câmaras ocultas e segredos a serem revelados por quem se permite investigar. Existe um charme old-school na construção da exploração, que tem escopo e que flerta com mundos abertos, mas que é condensada, evitando a impressão moderna de muitos jogos que são gigantes, porém vazios. Cada espaço do mapa te entrega algo, oferta alguma pista, e a sensação de interatividade com o ambiente recompensa o jogador que investiga suas áreas, no que é uma sucessão de sandboxes completamente diferentes, mas igualmente bem pensados.

O mais interessante dessa abordagem é a maneira como a progressão das missões valoriza curiosidade sobre a ação, deixando o jogo um tanto distante de Uncharted (o paralelo óbvio para a produção). Assim, o ritmo é dilatado, a narrativa caminha a passos largos, dando tempo para side-quests e muitas das vezes exigindo que joguemos com Indy mais como arqueólogo do que como herói de ação. Pode não ser o conceito mais interessante para todos, mas não deixa de ser uma forma inteligentíssima de distinguir a obra de outros games de aventuras, bem como de expandir os quebra-cabeças dos filmes, especialmente para quem tem um ponto fraco para História e para mistérios. Não me entendam mal, porque o “andar e atirar” fazem parte do jogo, como falarei mais à frente da jogabilidade, mas são os desafios enigmáticos que elevam a experiência. A cadência lembra o cinema de aventura clássico, mas a interatividade dá um peso especial: resolver um enigma em uma tumba egípcia ou em um templo tailandês não é só sobre chegar ao próximo trecho — é sobre se sentir parte da escavação, como se o jogador estivesse, de fato, desenterrando segredos milenares.

Nesse ponto, a melhor característica de todo o jogo está na forma como a história principal se mistura com as missões secundárias, com side-quests que estão borradas entre os desafios principais, não como fases para “completar algo” para zerar 100%, e sim integradas à narrativa como um todo, que, mais uma vez, ganha contornos de uma exploração muito rica. Ajuda bastante como os puzzles são criativos, com alguns interagindo com elementos mais móveis e de ação, e outros como a celebração intelectual da franquia. Temos desafios baseados em física, como mecanismos de contrapeso e rotação de peças em trilhos; decifrações de códigos em idiomas perdidos, exigindo atenção a detalhes escondidos nos cenários; enigmas que remetem a conhecimentos religiosos; mistérios que demandam pensamento lógico e observacional com símbolos antigos, relíquias ou anotações literárias (o inventário é rico nesse sentido, com um grupo de diários, livros, cartas, etc); e até segmentos inspirados em astronomia, alinhando constelações ou espelhos de luz para desbloquear passagens. Em vez de se apoiarem em fórmulas repetitivas ou soluções mecânicas previsíveis, os enigmas do jogo são contextualizados com a ambientação histórica e a mitologia dos locais visitados — cada puzzle parece “pertencer” ao cenário, como se fizesse parte de um museu interativo moldado pelas civilizações antigas que estamos visitando.

A jogabilidade também é conceitualmente interessante, apesar de algumas ressalvas. O combate adota um estilo menos interessado em armas de fogo e franca porradaria, sendo um jogo mais pé no chão e “sujo” com as lutas em um formato focado em improvisação, objetos dos cenários para auxiliar, socos simples e uso típico do chicote, funcionando tanto como ferramenta de travessia quanto como arma de desarme e distração, o que reforça a multifuncionalidade do protagonista, além de um complemento com estamina que limita na mesma medida que torna a jogabilidade mais exigente. Da mesma forma, o stealth é básico e funcional, com sequências de furtividade rudimentar, nas quais se pode esgueirar por ruínas ou bases inimigas. É um combate corpo a corpo meio engessado, mas satisfatoriamente realista, que é elevado pelo cuidado visual e design ambiental complementar com ruídos, luzes, música e interação dos cenários que ajudam na imersão para as lutas não soarem monótonas (muitas das vezes, dava vontade de ficar apenas observando as localidades).

No entanto, se o combate é cadenciado e crível, as set-pieces seguem o caminho oposto: são explosivas, cinematográficas e desenhadas com precisão coreográfica. Sequências como uma perseguição de trem no Himalaia, uma fuga de moto por ruas italianas e a clássica fuga de uma tumba em colapso evocam o DNA Spielbergiano, com transições fluidas entre gameplay e narrativa cinemática. Cada uma dessas cenas se constrói não apenas como um momento de adrenalina, mas como marcos narrativos que expandem o escopo global da aventura. A direção de câmera e o ritmo ajudam a manter o jogador dentro da cena sem perder o controle, evitando o excesso de cutscenes e priorizando o dinamismo da experiência – aliás, o jogo é safo no uso de micro transições que não deixam a obra se tornar muito textual. O resultado é um jogo que alterna momentos de tensão íntima com explosões grandiosas de ação — uma aventura moderna que nunca se esquece do espírito enraizado de sua origem pulp.

Meu grande problema com a jogabilidade é o fato de ser um jogo majoritariamente em primeira pessoa, um estilo que penso limitar a gameplay, principalmente nos recortes de exploração de locais secretos (parto aqui de uma crítica bem subjetiva, porque tenho desgosto pessoal por jogos em primeira pessoa para modos de single-player). Os pequenos trechos em terceira pessoa, quando precisamos interagir com o ambiente, revelam o quanto o jogo fica mais delicioso e divertido nessa perspectiva. Uma segunda crítica, dessa vez mais branda, seria em direção à inteligência artificial que apresenta altos e baixos: em alguns momentos, inimigos percebem muito rápido ou respondem bem, mas muito frequentemente agem de forma previsível e patética, na oscilação de perigo da aventura. Mesmo assim, as dinâmicas da gameplay se mantêm ótimas de jogar, com a jogabilidade de combate e furtividade convidando o jogador à variedade, não impondo um único estilo, e sim apresentando um leque de acordo com a adaptação contextual de cada cenário, da proposta de cada missão, da abordagem de cada exploração e do desafio de cada quebra-cabeça.

Mais do que um espetáculo técnico ou uma sequência de fases bem arquitetadas, Indiana Jones o Grande Círculo se destaca por sua alma reverencial aos filmes, incluindo ótimos personagens. Indy continua sendo o herói imperfeito que todos amamos: impulsivo, brilhante, bem-humorado, às vezes cético, mas sempre movido pela arqueologia e pela aventura. A dinâmica com Gina Lombardi é especialmente cativante, equilibrando cumplicidade, tensão e humor — tudo com uma química que remete aos melhores pares do cinema. O vilão Emmerich Voss, por sua vez, evita o arquétipo caricato e se posiciona como uma presença ameaçadora com motivações que flertam com o fanatismo místico e o revisionismo histórico. A narrativa dá espaço para pequenas pausas emocionais e conversas que revelam camadas dos personagens, aprofundando não só o drama, mas também o sentimento de jornada compartilhada. Ao final, sentimos que acompanhamos não apenas uma corrida por artefatos, mas uma trajetória com boas figuras, bons clichês e ótima mitologia.

Diante disso, é possível afirmar que Indiana Jones o Grande Círculo não é apenas um excelente jogo de aventura: é um verdadeiro retorno triunfal para o legado de Indiana Jones nos videogames e a abertura de uma porta para termos mais obras com o Indy sem as limitações da idade e do tempo. A produção respeita profundamente as raízes cinematográficas da franquia, mas constrói sua própria linguagem interativa com uma jogabilidade bem pensada para o personagem, um foco criativo em puzzles e uma história que se aproveita do escopo da franquia para entregar uma bela jornada global. Mais do que ação, a obra oferece atmosfera, contexto e imersão — qualidades cada vez mais raras em jogos modernos. O resultado é uma homenagem vibrante ao espírito dos filmes e à figura do herói arqueólogo que segue nos encantando após décadas. Para os fãs, é um presente. Para os novatos, uma porta de entrada de ouro, quem sabe com muitas aventuras no horizonte.

Indiana Jones e o Grande Círculo (Indiana Jones and the Great Circle)
Desenvolvedora:
MachineGames
Lançamento: 17 de abril de 2025 (para PS5)
Gênero: Ação, Aventura
Disponível para: PS5, Windows, Xbox Series X/S

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