Dentre todos os monstros da literatura, tenho quase certeza que os vampiros sejam os mais estudados, tanto no circuito do senso comum quanto nos meios acadêmicos. Analisados além de suas estruturas literárias, os vampiros ganharam várias enciclopédias, espaço em dissertações e teses, figurando como temática de artigos e ensaios, numa contemplação de sua amplitude como mito. No desenvolvimento de Lendas de Sangue: O Vampiro na História e No Mito, de Flavia Idriceanu e Waine Bartlett, acompanhamos uma jornada de interpretações de elementos específicos deste universo, nenhuma novidade, haja vista a quantidade de textos sobre o assunto, mas ainda assim, muito interessante abordar em detalhes traços destas histórias para melhor compreensão de seus desdobramentos do campo da literatura para outras modalidades artísticas. Publicado em 2007 por aqui, mas lançado originalmente em 2005, o livro da editora Madras traz 225 páginas de densas informações, trabalhadas num tom didático que permite o alcance de todo tipo de leitor, não fincando as suas ideias apenas em estudiosos acadêmicos, mas também por curiosos ou interessados em ampliar os conhecimentos gerais, além, claro, dos amantes da temática vampírica, ainda muito profícua na contemporaneidade.
Em linhas gerais, temos uma explanação das definições sobre mito, detalhamentos dos vampiros antes da ascensão de sua criatura central, o conde Drácula, do romance epistolar do escritor irlandês Bram Stoker, bem como as suas adaptações para outros suportes narrativos, em especial, o cinema. Há passagens que detalham elementos do filme de Francis Ford Coppola, criticado pelos autores por sua perspectiva estética considerada excessiva, além de ousada ao transformar o texto que serve como ponto de partida, realinhando personagens e mudando o posicionamento das coisas. O alastrar de pestes e pragas ao longo dos séculos XVI e XVII, ainda sem a devida explicação científica, era muitas vezes associado aos fenômenos sobrenaturais que as sociedades acreditavam piamente, algo que ajudou bastante a reforçar o mito vampírico e guiar estas lendas para os séculos seguintes, permitindo que fossem transformadas em literatura.
Há, no entanto, dois capítulos que considerei especiais nesta jornada, intitulados A Trilha de Sangue e Cenários de Magia, interessantes por suas abordagens obre questões muito intrínsecas aos movimentos narrativos destas tramas horripilantes. Sobre o sangue, os autores delineiam que este é uma das imagens centralizadoras das estruturas do pensamento humano, em constante associação com sacrifícios, rituais, violência, vida e morte. A “essência” dos vampiros está na frase “sangue é vida”, uma das máximas de Drácula, de Bram Stoker. No Velho e no Novo Testamento, partes integrantes dos textos bíblicos, há muito sangue derramado. O sangue é base dos ritos da eucaristia. Os sinais nas casas que não seriam abatidas pela peste na época da páscoa dos judeus, quando os israelitas ainda eram escravizados no Egito. São muitas as ilações e, ao trazer para a mitologia vampírica, o sangue é refletido como o vínculo demoníaco entre o morto e mundo dos vivos, uma substância com papel preponderante em muitas culturas.
Já no quesito cenografia, muito imersiva a passagem do livro que reflete os significados sobre os espaços de pavimentação da caminhada dos vampiros em seus impérios de terror. Neblinas, florestas espessas com árvores frondosas, cemitérios abandonados (ou não), o cair da noite e a presença de ruínas demarcam estes lugares assombrosos conectados com a ideia gótica de espaço. São ambientes com aura ameaçadora e sinistra, onde os vampiros encontram o seu repouso, antes de atacarem as suas vítimas incautas e sugarem o seu preciso sangue, garantindo a morte alheia e a vitalidade de sua eterna missão por entre os humanos. O mito do vampiro se faz poderoso por ter um vínculo estreito com as comunidades que ele ameaça. O mistério das paisagens naturais e selvagens, o significado mágico e também assustador das florestas, dentre outros elementos comuns em histórias do tipo, potencializam o mistério em torno desta figura diabólica. Tudo isso se torna ainda mais denso quando as paisagens são descritas pelos olhares e expressadas pelas vozes polifônicas dos personagens, como acontece no romance Drácula, de Bram Stoker, eficiente ao permitir que as próprias figuras ficcionais de sua história delineiem para os leitores os espaços por onde atravessam.
No geral, um livro eficiente, dinâmico e objetivo em suas análises.
Lendas de Sangue: O Vampiro na História e no Mito (Legends of Blood: The Vampire In History and Myth – EUA, 2005)
Autoria: Flavia Idriceanu, Waine Bartlett
Editora no Brasil: Madras
Data de publicação no Brasil: 2007
Tradução: Silvia Spada
Páginas: 224