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Crítica | Midsommar: O Mal Não Espera a Noite

por Gabriel Carvalho
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“Hey! Esses são os meus amigos da América.”

Depois do sucesso de Hereditário, obra que narrava sucessões de aparições misteriosas após a morte de um membro de uma família transtornada, o cineasta norte-americano Ari Aster retorna ao cinema no comando de Midsommar. Logo, com este seu segundo longa-metragem – além de um curta polêmico que se tornou viral em 2011 -, são comprovadas as características, seja pelo bem ou pelo mal, que compõem a assinatura do diretor. Aster está preocupado, nessas obras, com uma construção de tensão por meio do terror que se concilia com temáticas mais pessoais aos seus personagens. Dessa maneira, várias comparações surgem entre os seus projetos, a começar pelo cerne da narrativa: a perda, em vista da jovem protagonista, vivida por uma das novas promessas de Hollywood, Florence Pugh, ter que enfrentar uma catástrofe na sua vida privada que, por isso, a encaminha à necessidade por transformação, que pode vir pelo contato com o desconhecido. Dani, no caso, é namorada de Christian (Jack Reynor), universitário que, em meio a um relacionamento complicado com a personagem principal, termina convidando-a para viajar consigo à Suécia junto a um grupo de amigos. O longa-metragem de Ari Aster retrata, então, o expurgo da jovem, que, em meio a um ambiente completamente novo, percebe tanto os seus elementos assustadores, quanto também os acolhedores. Em vista do cenário complexo que o cineasta possui para experimentar e registrar a sua visão do terror, as suas escolhas, porém, são as mais diretas e simplistas possíveis.

Esse passo na carreira de Ari Aster é mesmo um passo mais grandioso e, por isso, a queda, no que tange os equívocos tomados pelo cineasta, é igualmente maior. Das restrições de uma mera casa – cenário principal de Hereditário -, a expansão de tempo de duração dessa obra – com vinte minutos a mais que o longa-metragem prévio – acompanha cenários também maiores: os verdes campos suecos, capturados por uma cinematografia que os ostenta como um retrato do Paraíso na Terra. Dentre, assim, as marcas do projeto anterior que são reiteradas, por exemplo, os gritos de Toni Collette são substituídos pelos gritos de Florence Pugh e vários outros personagens, que, em meio ao controle cirúrgico da câmera – muitas movimentações horizontais precisas – externalizam um contraste relevante. Ora, o corpo em chamas que marcava uma das cenas mais icônicas da boa obra de 2018 era capturado por um esquema de maquete que conseguia sustentar ainda mais o choque da imagem, justamente pela sua crueza. Em meio a mesma proposta visual, o que se expande, portanto, é a quantidade, com Ari Aster exponenciando características como a própria presença humana, vide um elenco vasto, em oposição às poucas dinâmicas coletivas de antes. O próprio senso do que é perturbador investe em âmbitos exacerbados, o que permite tornar certos desconfortos, como a nudez, um tanto quanto engraçados. A magnitude observada no todo, porém, também encontra um representante nos temas, tão ricos quanto simplórios, abordados pelo artista.

No que se refere aos itens abordados pela execução do terror – em vista da chegada do grupo de jovens à comunidade misteriosa -, os passos do cineasta se alargam em termos de pretensão, por conta das nuances presumidas em detrimento do gênero assumido. Enquanto seu projeto anterior ansiava um sobrenatural mais concreto e, de certo modo, simples, este espelha-se na antropologia para construir mitologia. Naquele caso, a mera exposição sugeria o culto satânico em questão, já neste uma meticulosa imersão a uma comunidade pagã da Suécia acontece. O cuidado e interesse de Ari pela sua criação de mundo, portanto, é uma virtude, ao menos em primeira instância. Logo, essa cultura, distinta da dos protagonistas, por contar com rituais, crenças e costumes próprios, rapidamente transforma-se em cerne do terror da obra. Apesar de lidar com pouquíssimos sustos em si, a inquietação permanece presente na mística que é construída, seja um cenário isolado na vila, uma peculiar casa amarela que não pode ser visitado pelos estrangeiros, seja os desenhos excêntricos que misturam a ingenuidade dos seus traços com um caráter sexual obsceno. Dada, portanto, esta quebra de paradigmas – a câmera que vira em 360° para propor o mundo virado de cabeça para baixo, redefinido -, as tensões entre o nosso grupo de forasteiros e a população nativa se resumem, primeiramente, à aceitação ou não dos novos raciocínios propostos. Quando Aster é mais preciso, então, um impacto proveniente desse terror é promovido junto às questões pessoais.

O primeiro choque realmente abrupto de culturas, por exemplo, consolida uma reflexão pontual, acerca de morte, que agrega a uma visão não-maniqueísta da comunidade sueca, mas também ao arco da personagem principal. Dessa maneira, torna-se possível enxergar paralelos significativos entre o que o terror em si propõe e o que os dramas dos personagens propõem. Ao passo que a protagonista enlutada interpretada por Colette era consolada por seu marido no longa anterior, Dani, por sua vez, recorre ao seu namorado – em cenas iguais. Nesse ponto, consequentemente, surge o roteiro e as questões principiadas por ele: um casal em crise à espera da restituição ou desintegração de seus laços. Partindo da perda que a garota enfrenta, o romance ganha uma proeminência inesperada, porém, condizente com a estrutura montada por Aster: antes de se pontuar o luto, pontuavam-se as queixas de ambos os namorados em relação ao relacionamento deles. Em meio a tantas coisas, a obra é uma discussão de relacionamento acima de tudo e, pela costura com os demais elementos, um rito de passagem, de uma garota que quer se encontrar no mundo. De todos os pecados do artista, contudo, por sorte o tratamento à protagonista não é um deles, apesar das incongruências ao seu redor causar danos ao desenvolvimento – prolongado sem muitas renovações pela duração. De qualquer forma, permanecem interessantes os impasses gerados a Christian, e como tal comunidade serve como uma prova de fogo aos dois protagonistas.

Quando escapa, contudo, dos impasses vividos pelos protagonistas, o longa-metragem encarna o simplismo que o condena à inconsequência. Os amigos de Christian são, mais que qualquer outra coisa, uma pedra no sapato para o roteiro de Aster – com exceção, quiçá, do sueco Pelle (Vilhelm Blomgren), conseguindo pontuar interações com Dani que a ajuda a repensar o seu estado, apesar do personagem, no final das contas, ser relegado a um antagonismo mais unidimensional, como também o resto da sua comunidade. O cineasta, sem saber como envolver estes outros amigos de Christian no meio das mesmas dinâmicas interessantes que envolvem os demais, rende-se, pois, à desconstrução das boas ideias de antes, acerca da antropologia e do terror que coordena estudo de personagem. Os mesmos equívocos cometidos na sua estreia no comando de um longa, no caso, repetem-se, mas com maiores agravantes nesta ocasião. Bem confuso em como assumir o gênero de terror propriamente dito, Aster termina encontrando paz numa expansão mitológica, em vista do surgimento de um outro ritual – que continua a aproximar a obra, no mais, de um clássico que certamente inspirou o artista: O Homem de Palha, de 1973. Contudo, essa sua paixão pela criação de mundo não se justifica na sustentação de coesão e, piorando, não respalda-se por uma construção dramática suficiente, contrariando certos raciocínios internos que o próprio consolidou. Ari Aster, mesmo promissor dentre os nomes do terror contemporâneo, precisa definir quem irá ser.

Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (Midsommar) – EUA, 2019
Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Vilhelm Blomgren, William Jackson Harper, Will Poulter, Ellora Torchia, Archie Madekwe, Henrik Norlén, Gunnel Fred, Isabelle Grill, Dag Andersson, Björn Andrésen, Anders Back
Duração: 147 min.

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