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Crítica | Missão: Impossível – O Acerto Final (Sem Spoilers)

Uma missão que dá prazer de aceitar.

por Ritter Fan
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Em seus quatro primeiros filmes, Missão: Impossível era um laboratório para que diferentes diretores emprestassem seus talentos, estilos e pegadas distintos à mesma temática de um super-agente secreto e sua equipe lidando com ameaças das mais inventivas, para não dizer absurdas, em obras mais autocontidas. Brian De Palma inaugurou o projeto com o longa que até hoje considero o melhor de todos, seguido de John Woo, J.J. Abrams e Brad Bird. Quando Christopher McQuarrie embarcou nessa jornada a pedido de Tom Cruise, a palavra de ordem passou a ser continuidade, com tramas crescentemente preocupadas em criar um universo coeso e autorreferencial para Ethan Hunt. E, no agregado, já levando em consideração o oitavo e último (em tese) filme aqui sob análise, as duas abordagens deram frutos, resultando em uma das melhores franquias de ação do cinema hollywoodiano.

Acerto de Contas – Parte Dois que, em razão de uma bilheteria menos do que ideal da Parte Um foi rebatizado como O Acerto Final é, claro, a continuação direta do longa anterior de 2023 que colocava Hunt (Cruise) e companhia contra uma misteriosa e assustadora inteligência artificial. A passagem temporal é marcada apenas pelo corte de cabelo mais longo e desgrenhado do protagonista e por um Luther (Ving Rhames) acamado em seu laboratório subterrâneo em Londres onde trabalha incessantemente para criar um programa para “matar” a Entidade, com o filme começando com Hunt vendo uma mensagem via fita de VHS da presidente dos EUA pedindo para ele entregar-se juntamente com a chave, já que destruir a I.A. significaria o fim do mundo. Esse começo explicadinho que serve para relembrar o que aconteceu anteriormente e que por isso se justifica, infelizmente marca a tônica do filme, ou seja, tudo caminha na base do “vamos parar para falar em voz alta tudo o que aconteceu e tudo o que planejamos (com direito a flashforwards) para nenhum espectador, por mais avoado que seja, deixe de entender”, algo que sempre existiu na franquia, mas que McQuarrie passou a fazer uso mais liberal e por vezes – muitas vezes – exagerado.

Mas eu nem reclamo muito disso justamente porque Missão: Impossível nunca foi uma franquia – mesmo nos tempos da TV – marcada pela sutileza e, com McQuarrie costurando os filmes de maneira bem mais próxima do que anteriormente, esse tipo de verborragia didática acaba sendo até necessária e, na maioria das vezes, sua direção consegue criar circunstâncias mais ou menos orgânicas para colocar o explicômetro no volume 11. A questão maior é que isso cobra um preço do espectador que, no longa anterior, já teve que lidar com 2h43m de ação e, agora, com mais 2h50m, elevando o total para quase seis horas de uma história que se beneficiaria demais de uma poda generosa, já que vamos combinar que não estamos diante de nada exatamente complexo – I.A. malvada e feia que quer destruir o mundo contra mocinho bonzinho e bonito que quer salvar o mundo -, ainda que sem dúvida confuso, algo que é ampliado pelas referências internas que McQuarrie faz questão de fazer, sobretudo ao longa original de 1996.

Falando nessas referências, mas sem revelar nenhuma, enquanto que, em Acerto de Contas Parte Um McQuarrie soube inteligentemente recriar a sequência do trem do filme do De Palma, agora ele faz o espectador engolir a seco três conexões diretas que são marretadas no roteiro sem cerimônia. Duas delas pelo menos são assim, baseadas em nomes jogados para ver se colam. A terceira referência, uma escolha interessantíssima de personagem que retorna, acaba funcionando porque ela, por incrível que pareça, torna-se integral ao desenrolar da narrativa a partir de certo ponto da minutagem, ou seja, não é algo que é apenas enfiado de qualquer jeito no texto, havendo muito mais contexto e, mais importante ainda, mais desenvolvimento do que normalmente se espera de algo assim. Claro que não é só o primeiro filme que ganha esse tratamento, pois McQuarrie faz de tudo para citar o máximo de mitologia interna possível, fazendo jus a imagens-lembrete variadas, com o diretor e roteirista muito claramente se divertindo demais com essa sua tendência um tanto quanto megalômana, mas que chega até a ser simpática.

Mas o que interessa mesmo, de verdade, sem dúvida alguma, inequivocamente à franquia encabeçada por Tom Cruise são as sequências de ação que, desde o início, quando o CGI ainda era item raro, permaneceram tanto quanto possível com arrimo no mundo real, sem computação gráfica, feitas na raça tanto por Cruise quanto pelas talentosíssimas equipes de dublês que materializaram, nos últimos 30 anos, os mais variados sonhos molhados de diretores, roteiristas e do cientólogo, obviamente. Em O Acerto Final, além das cenas de pancadaria na base de socos, pontapés, facas e tiros, todas excelentes, há duas grandes sequências solo de Cruise, uma no fundo do mar e outra no céu, que merecem todo o louvor. A cena submarina, por mais inverossímil que ela possa ser na vida real (mas quem liga para isso?), é uma sensacional e improvável mistura de O Segredo do Abismo com a sequência giratória no hotel onírico de A Origem, só que com água, evidentemente. Com uma direção de arte labiríntica, cenários práticos cuidadosamente construídos e uma coordenação de dublês primorosa, a sequência submarina é, para mim, o ponto alto de ação do longa. Não que a cena aérea posterior, em que Cruise se dependura de um monomotor fazendo as mais insanas acrobacias, não seja fenomenal, pois ela sem dúvida é, um feito técnico em termos de jogo de câmeras que eu não faço ideia como foi executado, mas ela é talvez longa demais para o meu gosto, algo que não acontece no fundo do mar gelado no meio do nada com coisa nenhum do Estreito de Bering.

E, em meio a explicações, pancadarias e sequências como as duas que destaquei, o elenco central formado por Cruise, Rhames, Hayley Atwell e Simon Pegg mostra uma coesão e uma química belíssima que é acrescentada de Pom Klementieff e outros dois personagens que também não revelarei (um deles é a tal referência do primeiro filme que abordei acima) sem perder ritmo e aquele humor que é sempre inserido na narrativa sem desvirtuá-la, como é o caso da gag recorrente e autoconsciente sobre a incapacidade quase patológica de o protagonista seguir ordens superiores. Tenho certeza de que muita gente não gostará do que acontece com o grande vilão humano do filme, Gabriel (Esai Morales), mas, pessoalmente, eu adorei a ponto de achar genial pela forma como expectativas são subvertidas, com o ator muito claramente fazendo de tudo para manter sua canastrice em nível máximo a ponto de sem dúvida orgulhar William Shatner. O que funciona com menos vigor, só para usar um eufemismo, é todo o núcleo da presidente dos EUA que ganha uma narrativa paralela completa, com vários personagens e com ação interna própria, que, muito sinceramente, não tem muita razão de ser a não ser inchar ainda mais o tempo de duração da fita, algo que também vale, mas com menos força, para o uso de Kittridge (Henry Czerny) nesse capítulo final.

Mesmo que não esteja na “prateleira de cima” dos filmes da franquia, O Acerto Final é um encerramento digníssimo das missões impossíveis de Ethan Hunt. Tom Cruise mostra que ainda tem o mesmo vigor de sempre, sempre tentando coisas cada vez mais malucas e perigosas e Christopher McQuarrie acerta nas costuras de mitologia que faz, puxando fios de todos os lugares para criar uma tapeçaria complicada que até pode ser confusa e bagunçada às vezes, mas sem jamais deixar de ser vistosa e excitante. O resultado é uma missão que dá prazer em aceitar e que não se autodestrói em momento algum. E, se esse rastilho de pólvora com a música tema de Lalo Schifrin for um dia reacendido, pode ter certeza que serei o primeiro a estar lá para ver a explosão que inexoravelmente se segue.

Missão: Impossível – O Acerto Final (Mission: Impossible – The Final Reckoning – EUA/Reino Unido, 2025)
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Erik Jendresen, Christopher McQuarrie (baseado em criação de Bruce Geller)
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Henry Czerny, Angela Bassett, Esai Morales, Pom Klementieff, Mariela Garriga, Pasha D. Lychnikoff, Holt McCallany, Janet McTeer, Nick Offerman, Hannah Waddingham, Shea Whigham, Greg Tarzan Davis, Charles Parnell, Rolf Saxon, Tommie Earl Jenkins, Katy O’Brian, Mark Gatiss, Tramell Tillman, Lucy Tulugarjuk, Stephen Oyoung
Duração: 170 min.

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