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Crítica | Morte no Nilo, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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Morte no Nilo não é um livro para leitores apressados, especialmente aqueles que, sabendo o que esperar de uma obra de Agatha Christie, aguardam impacientemente a ocorrência de um crime e o início de uma investigação. Ocorre que aqui a autora toma tempo para desenvolver a narrativa, e para isso, adota um estilo pouco comum de apresentação. No primeiro bloco do livro temos cenas isoladas de diversos personagens, em diferentes lugares. Nesse momento, não há nenhuma ligação entre a maioria deles, e o leitor fica imaginando como a Rainha do Crime conduziria esse fio até que fizesse sentido — porque também fica claro que nada disso é puro capricho. Essa introdução iria servir para alguma. E verdadeiramente serve.

Passadas as apresentações, o texto ganha uma outra aura, e então percebemos que esses indivíduos que conhecemos em suas vidas particulares, terminam se encontrando no Egito, mais especificamente em uma viagem de 373Km pelo Rio Nilo (de Shellal, no Egito, até Wadi Halfa, no Sudão). E é nesse ponto que começamos verdadeiramente a conhecer os personagens e que a autora passa a empregar as muitas características individuais que sinalizou para eles. De cara, essa quantidade de personagens pode assustar, mas como todos são muito bem trabalhados e possuem seus próprios momentos no decorrer da trama, o leitor não corre o risco de se perder, a não ser que tenha pouca memória.

A construção narrativa de Morte no Nilo busca marcar uma maior familiaridade do leitor com com todos os personagens, assemelhando-se, nesse ponto, a Assassinato no Expresso do Oriente, uma vez que ambos os livros se passam dentro de um meio de transporte, no decorrer de uma longa viagem. O principal assassinato só ocorre no meio do livro, e até lá, passamos da observação isolada desses indivíduos para a convivência de todos em uma embarcação, momento onde Hercule Poirot, que está em férias, conversa com todos e observa as manias daqueles que o cercam, um detalhe que fará toda a diferença do meio do livro para frente.

Esse caráter mais ou menos familiar dá ao texto uma certa impressão de que as coisas quase não andam. Mesmo que a autora use ótimos elementos para indicar a passagem do tempo (especialmente quando fala sobre o casamento de Linnet Ridgeway), a atmosfera geral pouco se altera, até que um evento suspeito acontece… e então as peças do jogo movem-se relativamente rápido, transformando todo mundo em suspeito e gerando uma curiosa linha de investigação, capitaneada por Poirot e pelo Coronel Race. Todavia, a própria investigação segue o seu caminho peculiar, com interrogatórios menores e assuntos que às vezes parece atirar para todos os lados, confundindo o leitor no que concerne ao método e ao culpado pelas tragédias na embarcação.

A resolução do caso é bastante inteligente, e o a autora parece se divertir brincando com a ideia de “falso final”. Eu fiquei sorrindo de canto quando percebi que a narrativa ainda se seguiria por umas poucas páginas e que coisas realmente chocantes ocorreriam nesse “chorinho final“. Acho Morte no Nilo um dos romances com uma das resoluções mais legais da autora, embora não morra de amores pela primeira metade da obra. O curioso é ver os problemas individuais de cada um, assim como o comportamento peculiar, que afeta a convivência do grupo na viagem pelo rio. No meio de um grupo heterogêneo, que vai de uma cleptomaníaca de alta classe a um procurado pela justiça (esse plot adicional, para mim, foi totalmente desnecessário), passando por um comunista, uma alcoólatra e uma autora de romances picantes, o leitor terá aqui um estudo sobre comportamento social e investigação aparentemente simples para um crime intricado e bem pensado. Aquele tipo de história em que o final é imensamente superior ao início.

Morte no Nilo (Death on the Nile) – Reino Unido, 1º de novembro de 1937
Autora: Agatha Christie
Publicação original: Collins Crime Club
No Brasil: L&PM Pocket (2015)
Tradução: Bruno Alexander
293 páginas

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