O roteirista de séries de TV Shawn Simmons aventura-se no roteiro e direção de um longa metragem produzido para o streaming que tenta resgatar a pegada mais crua e visceral de filmes de ação dos anos 70, transplantando-a para uma fita de ação de discretos tons cômicos que obriga Edie Meaney (Samara Weaving), apelidada de Eenie Meanie (uma corruptela de eeny, meeny, miny, moe, que é o equivalente, em português, a “uni, duni, tê” e que pode ser interpretada como uma alusão às escolhas que Edie tem que fazer), uma jovem motorista de fuga que se aposentou dessa profissão, a voltar a ela mais uma vez para salvar a vida de seu ex (mas não tanto) namorado John (Karl Glusman), que não consegue ficar longe de vícios e problemas, executando uma última operação de roubo de um cassino a mando de seu ex-chefe Nico (Andy Garcia). Apesar das boas intenções de Simmons, porém, seu filme é, em grande parte, uma abordagem quase totalmente genérica de uma premissa clássica que, admito, tem seus bons momentos, basicamente o contrário dos floreios estilísticos e sensoriais de Nicolas Winding Refn, em Drive.
Um desses momentos, mas que não é um “momento”, mas sim uma escolha sábia da produção, é tratar as sequências de ação do jeito velha guarda, com fugas a pé e principalmente automobilísticas filmadas sem ajuda de computação gráfica, além de tomadas em locação em uma cidade não exatamente identificável, mas que carrega visualmente todo o estado de espírito da protagonista, desiludida com a vida que leva e preocupada com a descoberta de que está grávida de John, inegavelmente o amor de sua vida e de quem ela não consegue ficar longe, sendo reciprocada nesse sentimento quase viciante e autodestrutivo. As coreografias das perseguições automobilísticas – apenas duas – são ótimas e inegavelmente os pontos altos do filme, sem nenhum tipo de exagero para além de habilidade extrema da equipe de dublês. É nisso que Simmons realmente faz o que se propôs a fazer inicialmente, que é transplantar a estética setentista de obras semelhantes à sua criação.
Outro momento que merece destaque – e esse é um momento mesmo – é a resolução final da relação entre Eenie e John que acaba de maneira lógica, mas completamente inesperada em uma produção desse naipe. Inesperada no sentido de que filmes para streaming, com raras exceções, lógico, são concebidos como uma receita de bolo, ou seja, oferecem recheios e confeitos diferentes, mas a massa é igual justamente para agradar… a maior massa possível de espectadores. Corre-se muito pouco risco nessas versões atuais dos bons e velhos telefilmes e a forma como o roteiro de Simmons lida com a dupla protagonista ao final é um ato de coragem, algo que impede que Motorista de Fuga seja completamente derivativo e mostra promessa para a carreira futura do diretor e roteirista. Não é nada de outro mundo, vale dizer, apenas o final que deveria ser e que raramente é, outro elemento trazido dos anos 70, vale dizer.
No entanto, entre as perseguições e até o final, Simmons trafega em primeira marcha, tentando acelerar, mas sendo segurado pela baixa rotação, com Weaving e Glusman só funcionando mesmo quando se relacionam em meio à ação, pois, na inação, eles não conseguem conexão suficiente para convencer o espectador de seus respectivos dramas. Até mesmo a tentativa de fechamento do arco do pai de Eanie (Steve Zahn), que aparece no início do longa, é o equivalente audiovisual ao coito interrompido, com toda a sequência parecendo muito mais um esforço vazio de aprofundar os problemas da protagonista, sem entregar uma efetiva resolução. A ousadia que Simmons mostrou ter na relação de Eenie e John, ele não repete em nenhum outro momento, nem mesmo no epílogo entre ela e Nico, apesar de Garcia estar muito bem no papel de um gângster porcaria, mas “gentil”.
Motorista de Fuga, mesmo com todos os seus defeitos, é um filme genuíno, um esforço válido por parte de um Simmons “em treinamento” que diverte com as perseguições pé (ou roda) no chão e surpreende com um final sem firulas e que faz perfeito sentido. Os anos 70 não foram resgatados como poderiam ser e como S. Craig Zahler conseguiu fazer magistralmente em Confronto no Pavilhão 99 e Justiça Brutal, mas quem sabe o cineasta não tenta novamente em futuro próximo? Eu sei que eu assistiria!
Motorista de Fuga (Eenie Meanie – EUA, 22 de agosto de 2025)
Direção: Shawn Simmons
Roteiro: Shawn Simmons
Elenco: Samara Weaving, Elle Graham, Karl Glusman, Steve Zahn, Andy Garcia, Randall Park, Marshawn Lynch, Mike O’Malley, Kyanna Simone, Jermaine Fowler, Chris Bauer
Duração: 106 min.