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Crítica | Nosferatu (2025)

Imagens hipnotizantes, monólogos cansados.

por Ritter Fan
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Penetrando uma imagem parada em preto e branco de profundo contraste do litoral paulista, vemos um enorme navio cargueiro cujas altas torres de contêineres vão, aos poucos, substituindo os arranha-céus em segundo plano, até tomar por completo a tela. É o Nosferatu do século XXI chegando ao Brasil fugindo de seu eterno caçador Van Helsing, em uma sequência visualmente espetacular que dá o tom de toda a nova película de Cristiano Burlan, que usa o clássico filme de 1922, de F.W. Murnau não para fazer uma nova adaptação, mas sim para servir de inspiração imagética para estudar o preço da imortalidade e para trazer essa conversa tanto para o teatro quanto para o cinema.

É inegável que direção de fotografia de Cauê Angeli é o grande destaque do curto longa de Burlan e Burlan sabe bem disso, refestelando-se em tomadas cuidadosamente construídas para aproveitar ao máximo o chiaroscuro forte e referenciando não só o filme mencionado, com também O Gabinete do Dr. Caligari e outras obras-primas do expressionismo alemão. Nesse mesmo caminho vai a direção de arte de Mariko e Seiji Ogawa, além dos figurinos de Mariana Cypriano, ao mesmo tempo modernos e atemporais, levando a um conjunto visual harmônico que consegue chamar a atenção do espectador do começo ao fim da obra, como as sombras de Nosferatu encantam suas vítimas.

Talvez enamorado com seu projeto, Burlan não tenha percebido, porém, que o imagético hipnotizante é entrecortado por longos monólogos quase autocontidos que, narrativamente, não avançam nem uma história coesa – que, compreendo, não foi o objetivo – e nem as críticas e comentários que o roteiro procura fazer sobre a arte, sobre a vida dedicada a ela, sobre o vazio da imortalidade e diversos outros temas que o texto falha em chegar próximo a ter o efeito das imagens perante o espectador. Chega a ser até frustrante que, em determinada altura, tenhamos que ser catequizados sobre a desimportância da compreensão de um filme para sua apreciação, o que ironicamente soa como alguém nos dizendo o que temos que achar, ao mesmo tempo em que serve de uma espécie de cheque em branco para o cineasta fazer o que quiser, sem realmente precisar se preocupar com narrativa ou fazer de seus discursos conversas engajantes para além do já mencionado visual.

O Nosferatu de Rodrigo Sanches, por vezes mais parecido com o Tio Funéreo, da Família Addams, corre de um lado para o outro de Van Helsing, é apequenado no palco de um enorme teatro e entra em transe em uma bela sequência em vermelho com granulação elevada ao volume 11, mas esse mesmo Nosferatu freia o filme, segura a fluidez das imagens para conversar com o espectador ou, melhor dizendo, pregar para o espectador e, a cada vez que isso acontece, o longa se perde e se fragmenta, transformando os em tese meros 88 minutos da projeção em algo bem mais arrastado, que começa a esgotar a paciência de quem o assiste. Sim, é um prazer ver Helena Ignez na telona no alto de seus 83 anos sendo mordida por Nosferatu, além da última aparição do fundamental crítico Jean-Claude Bernardet, falecido em julho de 2025, mas mesmo essas figuras icônicas não são fortes o suficiente para segurar o dispersamento da narrativa causada por um roteiro talvez mais cheio de si do que devesse ser.

Não quero de forma alguma dizer, com isso, que a experiência é desinteressante, pois definitivamente não é, mas Cristiano Burlan perdeu a oportunidade de verdadeiramente trazer a iconografia de Nosferatu para nossa brasilidade, preferindo criar monólogos que diferente de serem complexos ou herméticos, simplesmente não conseguem se conectar para além de serem sucessões de frases prontas e de citações que, no conjunto, não têm uma fração do poder das imagens que vemos diante de nossos olhos. Sendo talvez mais maldoso do que devesse, talvez um Nosferatu mudo como o original tivesse funcionado de forma bem mais eficiente…

Nosferatu (Brasil, 2025)
Direção: Cristiano Burlan
Roteiro: Cristiano Burlan, Emily Hozokawa, Fernanda Farias, Rodrigo Sanches
Elenco: Rodrigo Sanches, Helena Ignez, Jean-Claude Bernardet, Paula Possani, Ana Carolina Marinho, Hélio Cícero, Henrique Zanoni, Biagio Pecorelli, Rebecca Leão
Duração: 88 min.

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