Integrado aqui no Brasil como um dos componentes extras do primeiro volume da coleção Vampiros no Cinema, da Versátil Home Video, A Linguagem das Sombras é um documentário de 53 minutos com desenvolvimento simples, sem nenhum atrativo estético que o torne um referencial no segmento, o que diminui um pouco as chances de encará-lo como entretenimento, no entanto, traz valiosas informações sobre o cineasta alemão F. W. Murnau e a sua obra-prima Nosferatu, tradução intersemiótica na época, não autorizada, do romance Drácula, de Bram Stoker. Além disso, o material explora algumas características do expressionismo alemão, explicando que muitas das imagens do filme, ao contrário do que muitos imaginam, teve como inspiração o mistério e a exaltação da natureza das artes visuais românticas. Com depoimentos de familiares dos envolvidos nos bastidores do clássico, juntamente com estudiosos da produção, a narrativa documental evoca tópicos memorialísticos ao traçar comparações de cenas de Nosferatu com a geografia atual dos locais onde foram realizadas as filmagens, numa interessante simbiose das questões culturais e econômicas entre o passado e o presente.
Em seus primeiros minutos, Nosferatu: A Linguagem das Sombras, lançado diretamente para vídeo em 2007, versa sobre a biografia de Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931), um cineasta alemão de renome, considerado como um dos mais influentes do cinema não sonoro. A sua estética visual e inovação narrativa o colocaram como um dos principais representantes do Expressionismo Alemão. Murnau utilizou técnicas visuais inovadoras, como a iluminação dramática e a composição de quadros, para transmitir emoções intensas e atmosferas opressivas. Criativo e introspectivo, o realizador trouxe toda a sua bagagem artística para a concepção desse clássico “ameaçado de extinção” depois que a viúva de Stoker, insatisfeita com a adaptação sem autorização do romance de seu falecido marido, abriu um processo que relegou o filme ao fracasso financeiro, apesar de seu destaque crítico.
Constantemente associado ao expressionismo alemão por conta do seu poderoso jogo de luzes e sombras, bem como ângulos obtusos, Nosferatu ficou bastante tempo ameaçado de ser contemplado por plateias atuais apenas pelas opiniões das críticas da época, mas na ocasião do processo em questão, algumas cópias já circulavam pelo território europeu, numa demonstração do potencial “viral” de sua estrutura narrativa numa época muito anterior ao conceito em questão, atualmente associado ao âmbito da internet e das redes sociais. Assim, ao explicar o filme em envolvimento com a vanguarda em questão, a narração e os depoimentos expõem que o expressionismo foi um movimento cultural surgido no início do século XX que se destacou nas artes visuais, literatura e cinema, caracterizando-se pela ênfase em emoções subjetivas, distorções visuais e ambientes sombrios. No cinema, esse estilo buscava representar a angústia e as preocupações da sociedade da época, refletindo os traumas da Primeira Guerra Mundial e o clima de incerteza, comuns ao contexto de produção do filme antagonizado pelo Conde Orlok.
Ademais, o documentário delineia a cinematografia de Nosferatu, destacando como as suas imagens são marcadas por sombras profundas, ângulos de câmera distorcidos e uma paleta de cores sombrias. Murnau utilizou técnicas como o chiaroscuro e a superposição de imagens para criar uma atmosfera ameaçadora e surreal. Isso contribuiu para o clima de horror e desolação que permeia o filme. Outro destaque é a performance de Max Schreck, que interpretou o Conde Orlok, essencial para o impacto psicológico do filme. Sua atuação é caracterizada por movimentos lentos e uma presença inquietante, que simboliza a natureza ameaçadora do vampiro. O design do personagem, com suas longas unhas e dentes afiados, tornaram Orlok uma figura memorável, evocando medo e repulsa, numa narrativa que explora temas como a doença, a morte e a contaminação, refletindo os medos da sociedade da época, especialmente em relação às epidemias e à perda. O vampirismo é visto como uma metáfora para a exploração e a decadência social, enquanto a figura do vampiro representa o “Outro” e o desconhecido.
Ademais, essa conexão com a pintura romântica, dissociando uma exclusividade estética com os elementos do expressionismo, foram elementos do documentário que se destacaram para quem vos escreve enquanto espectador, criando uma conexão em busca de maior entendimento de como tais imagens da pintura ganharam impressões na visualidade de Nosferatu. Em linhas gerais, a pintura romântica, que floresceu no final do século XVIII e início do século XIX, é caracterizada por suas emoções intensas, imagens dramáticas e um profundo apreço pela natureza. Esses elementos não apenas definiram uma era na arte, mas também influenciaram profundamente a linguagem visual do cinema, especialmente em gêneros que buscam evocar emoções e atmosferas de grandeza e mistério. Historicamente, o Romantismo na pintura surgiu como uma reação ao Neoclassicismo, enfatizando a individualidade e a subjetividade. A maioria de seus artistas se destacou ao capturar a beleza majestosa da natureza, muitas vezes mostrando cenas de paisagens dramáticas que refletiam as emoções humanas. A natureza, repleta de mistério e majestade, tornou-se um espaço de reflexão, espiritualidade e introspecção. Na pintura romântica, a natureza não é apenas um pano de fundo, mas um protagonista que afeta os personagens e suas histórias. Isso é visivelmente transferido para o cinema, onde a natureza frequentemente desempenha um papel fundamental nas narrativas, em especial, na criação de atmosferas que transmitem um amplo espectro emocional. E podemos ver tais peculiaridades na concepção visual de Nosferatu, um clássico influenciador para as gerações posteriores.
Nosferatu: A Linguagem das Sombras (Murnau: Die Fruhen Jahre und Nosferatu) – Alemanha| 2007
Direção: Luciano Berriatuá
Roteiro: Friedemann Beyer
Elenco: Thomas Lang, Eva Diekamnn, Wolfgang Kistermann, Brad Brooks, David Howard, Daisy Spies
Duração: 53 min.