Home LiteraturaConto Crítica | O Castigo de Prometeu, de Karel Čapek

Crítica | O Castigo de Prometeu, de Karel Čapek

por Luiz Santiago
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A definição que vem a seguir está na orelha do livro Histórias Apócrifas, lançado originalmente pela Editora 34 em 1994. A edição lida por mim aqui foi a 3ª edição do volume, datada de 2013. Segue o texto. “Publicadas originalmente na coluna que Karel Čapek mantinha no Lidové Noviny (O Jornal do Povo), entre 1920 e 1933 [adição minha: também em algumas edições do jornal Ruch filozofický (Turismo Filosófico)], os 29 contos dessa coletânea só foram reunidos em livro em 1945. Ainda em vida, em 1932, o autor chegara a editar cinco deles, de temática bíblica, sob o título de Apokryfy (Apócrifos), em alusão aos Evangelhos não canônicos.”.

O título deste conto de abertura já nos deixa bem claro qual é o seu tema principal. A versão do mito em questão a ser considerada, portanto, é a contida em Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, com o personagem-título sendo um benfeitor da humanidade, roubando o fogo de Zeus e presenteando-o aos homens. A incursão de Karel Čapek nessa seara propõe um olhar diferente para o que possivelmente acontecera com Prometeu antes de seu castigo derradeiro, e essa proposta deixa todo o contexto ainda mais interessante.

A trama está emoldurada em uma base contemporânea de justiça, que é anacrônica e comicamente jogada para o passado. Nela, um grupo de Senadores com atribuições jurídicas se reúnem para tratar em definitivo do “Caso Prometeu“. A primeira ideia é que a sentença seja imediatamente proferida e todos sigam para suas casas, mas um dos Senadores presentes se propõe a falar um pouco sobre o “crime do fogo“, dando início a algo sobre o qual o leitor não sabe direito o que esperar. Isso porque a primeira impressão é que estaremos diante de alguém que defenderá Prometeu, ou, no mínimo, falará algo para diminuir o seu castigo. Bem… não é isso que acontece.

O que se segue são alguns discursos — um mais inflamado que o outro, ao ponto de se tornarem cada vez mais ridículos — sobre o tipo de crime cometido pelo pobre Prometeu. Cada Senador encontra um tipo de problema em torno dessa apresentação do fogo para a humanidade e, ao fim de tudo, o texto se encaminha para um cenário que Čapek trabalhará de forma irônica na conclusão: o comportamento hipócrita desses políticos-juízes que veem todo tipo de crime naquele fogo trazido por Prometeu, mas que ao mesmo tempo se beneficiam de tudo o que esse mesmo fogo pode oferecer.

Há uma porção de eventos históricos, casos jurídicos e crônicas contemporâneas onde podemos aplicar como uma luva o conceito geral disso que é trabalhado nessa história. O desfecho, com Hipometeu jantando em casa, não só mostra a face hipócrita desse personagem (espelho de seus pares, vale dizer), como também expõe a ocorrência de um novo crime, se levarmos em conta os padrões utilizados pelo mesmo Senador para julgar Prometeu.

E é assim que desaguamos naquela velha e podre situação onde o crime só é crime quando cometido pelos inimigos, por pessoas que não se gosta ou que se quer prejudicar. Todavia, se o mesmo ato — ou até pior! — for cometido pelos amigos, pelos pares de grupo ou partilhadores ideológicos, o crime deixa de ser algo que precisa ser severamente punido e torna-se uma virtude incompreendida, na maioria das vezes, mantida embaixo dos panos.

O Castigo de Prometeu (Prométheův Trest) — República Tcheca, 5 de junho de 1932
Autor: Karel Čapek
Publicação original: Lidové Noviny
Coletado em: Kniha Apokryfů
No Brasil: Histórias Apócrifas (Editora 34 — 3ª Edição, 2013)
Tradução: Aleksandar Jovanovic
10 páginas

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