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Crítica | O Homem do Nilo

por Luiz Santiago
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Criada em 1976 pela CEPIM (futura Sergio Bonelli Editore) a série Um Homem/Uma Aventura teve uma abordagem bastante inovadora para a época. Produção de pequena escala e com total liberdade criativa para os autores e artistas envolvidos, esta saga de ficção histórica tinha por objetivo retratar, revisar ou aludir a algum momento protagonizado por personalidades da História do mundo ou indivíduos ficcionais que estiveram presentes em grandes campanhas militares. Esta primeira aventura, O Homem do Nilo, deu o tom daquilo que seria toda a série, constantemente lidando com temáticas violentas, críticas políticas e sociais e um olhar entre o romantizado e o analítico para o personagem em destaque na edição. Aqui, a trama é direcionada para dois homens em um importante período da História do Sudão: Maomé Amade (ou Muhammad Ahmad bin Abd Allah, 1844 – 1885), muitas vezes apontado como o primeiro grande nome do nacionalismo sudanês; e o explorador e conquistador Charles George Gordon (1833 – 1885).

A narração inicial escrita por Decio Canzio e maravilhosamente ilustrada por Sergio Toppi nos dá, já na abertura, todas as informações que precisamos para contextualizar a saga: “dezembro, 1884. Cartum, capital do Sudão, se encontra sufocada pelos dervixes do Mahdi.“… e é neste ponto que entra em cena o jornalista que quebra a rotina de constante luta entre os britânicos (à época em campanha no Egito, que tinha suas terras anexadas ao Sudão Madista, uma luta que rapidamente os ingleses tomaram para si) e os sudaneses liderados pelo “bem guiado“, o Mahdi, o unificador que dispunha de centenas de milhares de pessoas prontas para morrer por ele e pela causa de um Estado livre do jugo egípcio. Considerando que o Estado Madista era gigantesco e extremamente complexo de se dominar e liderar (segundo os dados do roteiro eram 56 raças, 597 tribos/nações e 115 dialetos diferentes) não é de se espantar o caráter da guerra.

O roteiro começa explorando alguns eventos finais do cerco de Cartum (13 de março de 1884 a 26 de janeiro de 1885) e faz do jovem repórter de guerra, Bob Wingate — que vai ao local para entrevistar o General Gordon — uma ponte entre mundos e momentos diferentes da História, colocando-o no meio de enfrentamentos violentos, todos desenhados com grande intensidade por Toppi. O propósito geral da saga é mostrar “o que aconteceu de verdade” para que o madistas conseguissem dominar Cartum e então matar o General Gordon. O enredo brinca com algo que sempre nos atiça a curiosidade, ou seja, as respostas não dadas ou os grandes mistérios da História, especialmente quando lidamos com um conflito de grandes proporções onde a documentação de certos eventos simplesmente se perde ou sequer é feita.

Embora eu não tenha nenhum problema com a arte aqui, acredito que o roteiro de Decio Canzio peca bastante pela forma como organiza o tempo, muitas vezes fazendo sequências perderem o fôlego pela estranha escolha de fazer toda a passagem do tempo a partir de um mesmo padrão imediatista, quase nunca indicando isso de maneira sutil (a exceção se dá com a paulada na cabeça e o estado inconsciente do jornalista, no final). O desfecho também não recebe o devido cuidado do autor, vindo como um corte seco através de uma cena que nos distrai o tempo inteiro, o que contribui para a perda da força de um momento que deveria ser o ápice da obra. Fica em nossa mente o destaque para a ambientação, para a ótima arte e para o clima de morte e perigo que cobre todo o lugar, mas uma trama com este peso merecia um cuidado maior em sua construção e, principalmente, finalização.

Un Uomo Un’avventura #1: L’uomo del Nilo (Itália, novembro de 1976)
Editora original: CEPIM (Sergio Bonelli Editore)
No Brasil: Ebal, 1978
Roteiro: Decio Canzio
Arte: Sergio Toppi
60 páginas

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