Crianças sinistras são um dos arquétipos mais enervantes do terror. Sejam por possuírem distúrbios psiquiátricos ou por estarem sob algum tipo de influência sobrenatural, a combinação da inocência infantil com a aura sinistra do mal sempre foi capaz de provocar arrepios no público. O diretor Carlos Henrique Taboada, grande nome do terror mexicano responsável por filmes como Até O Vento Tem Medo (1968) e Más Negro Que La Noche (1975), dirigiria algumas produções em torno deste arquétipo, como Veneno Para As Fadas (1984) e o objeto desta resenha, O Livro De Pedra. Onde a sua abordagem se diferencia dos demais filmes de criança sinistra é sugerir que, por estarem descobrindo os seus próprios limites e os dos outros, crianças podem ser naturalmente cruéis e enganadoras, bastando o estímulo errado para que suas ações se tornem catastróficas.
Na trama, Julia (Marga Lopez) é contratada pelo rico Eugênio (Joaquim Cordero) como governanta de seu casarão no campo, tendo como principal função cuidar da filha de Eugênio, Silvia (Lucy Buj). A menina é obcecada pela estátua de um menino presente nas imediações, que ela chama de Hugo, e trata como um amigo. Quando vários desejos de Silvia se realizam de forma inexplicável e mesmo perigosa, Julia passa a desconfiar que Hugo possa ser mais do que uma estátua.
Escrito e dirigido por Carlos Henrique Taboada, O Livro De Pedra constrói o seu suspense de forma lenta, centrando-se na pequena Silvia e em sua solidão na nova residência. A relação da menina com a estátua localizada próxima à propriedade da família inicialmente possui apenas ares melancólicos, com pequenos indícios sendo dados no terço inicial do filme de que Silvia pode estar levando a brincadeira a sério demais. Tanto a narrativa quanto a estética da obra buscam afiliação com a tradição gótica, onde lugares sombrios cercados por histórias macabras abrigam personagens cujos fantasmas mais assustadores vêm de suas mentes. Ainda assim, O filme toma o cuidado de nunca retratar Silvia como uma menina abertamente assustadora, mas aos poucos constrói a tese de que a imaginação infantil é uma coisa poderosa, e que pode ter contornos sombrios, e mesmo corruptores quando não canalizada ou lida de forma correta pelos adultos.
O cenário onde uma criança tem um amigo imaginário, que acaba se revelando mais perigoso do que deveria não era novo nos anos 60 quando este filme foi produzido, com a sua premissa inicial devendo muito á clássicos como a noveleta A Volta Do Parafuso, e sua adaptação cinematográfica, Os Inocentes (1961). Mas, embora o diretor pareça deixar logo claro que há algo de sobrenatural acontecendo na história, seu interesse maior está nas raízes do comportamento da pequena Silvia, que são bem terrenas.
Ela é uma criança negligenciada, com o seu pai muito mais preocupado em fazer com que a filha se dê bem com a sua nova madrasta, Mariana (Norma Lazareno) do que em realmente entender a menina. Mas o filme é inteligente o suficiente para não retratar Eugênio como um pai que não liga para a sua filha, ou transformar Mariana no arquétipo da madrasta malvada. Eles são simplesmente dois adultos que não estão sabendo lidar com os sentimentos confusos de uma criança, que se entrega de forma literal aqui, ao poder que a sua imaginação lhe dá.
O Livro De Pedra traz também um desfecho bastante corajoso e trágico para o período de produção, mas que soa orgânico com tudo que foi apresentado, não estando ali só para chocar. Minha única queixa é a suposta protagonista, já que depois de acompanharmos boa parte da história pelos olhos da governanta, o roteiro simplesmente escanteia a personagem, que fica só “ali”, até o desfecho, cumprindo o dispensável papel de sarrafo moral para os outros personagens. Mas é uma escorregada menor em um filme bastante atmosférico, em mais um competente trabalho de Carlos Henrique Taboada, um mestre do terror mexicano que merecia ser mais celebrado pelos fãs do gênero.
O Livro De Pedra (El Libro De Piedra) – México, 1969
Direção: Carlos Henrique Taboada
Roteiro: Carlos Henrique Taboada
Elenco: Joaquim Cordero, Norma Lazareno, Marga López, Aldo Monti, Lucy Buj, Rafael Llamas, Ada Carrasco, Lilia Castillo, Manuel Dondé, Jorge Mateos, Miguel Gómes Checa, Eduardo MacGregor, Jorge Pablo Carrilllo
Duração: 99 min.
