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Crítica | Os Bandidos do Tempo

por Kevin Rick
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Fantasias, quando se tem uma criança como protagonista, normalmente partem de uma aventura infantil, uma espécie de escapismo do mundo real na imaginação pueril. O fantástico, o mágico e a criatividade ditam narrativas desse estilo, com jornadas normalmente acompanhadas por uma mensagem encantadora sobre a visão de mundo inventiva e fabulosa no olhar de uma criança. Mas e se a idealização fantasiosa fosse, na verdade, uma extensão do pessimismo da realidade? É a partir dessa questão que Terry Gilliam e Michael Palin, ex-membros do célebre grupo de comédia Monty Python, criam a cética aventura de Kevin (Craig Warnock) no divertidíssimo Os Bandidos do Tempo.

Assim como as obras da trupe britânica, Gilliam e Palin constroem uma enorme sátira surreal em torno de um filme que parece ser uma simples aventura infantil. Isso já é evidenciado nos primeiros minutos da obra em que Kevin é negligenciado pelos pais materialistas que só comem comida de microondas e são reféns da tecnologia em todos os aspectos rotineiros. Essa crítica social em relação a dependência humana da tecnologia é carregado por toda a fita, não apenas com as piadas suburbanas da família do Kevin, como também com o vilão Evil Genius (David Warner), a versão “Pythonesca” do Satã, que procura entender e dominar a tecnologia para derrotar o “Ser Supremo” (Ralph Richardson), conectando-se a outra sátira do filme: a religião, o clichê do bem contra o mal, manuseado aqui como a ligação do maligno com a tecnologia, ou pelo menos a maneira que a utilizamos, e a figura divina como um Ser que mantém a miséria e sofrimento por causa do livre arbítrio, interpretado por Richardson com uma superioridade e desdém pela humanidade.

E apesar desses elementos satíricos serem completamente hilários, eles apenas servem de pano de fundo para a trama principal: um jovem sonhador, romântico e otimista que descobre a existência do fantástico e da magia quando um grupo de anões criminosos, que dão nome à fita, se materializam no seu quarto. Kevin se junta aos ladrões que roubaram um mapa do “Ser Supremo” e agora viajam no tempo roubando tesouros de figuras históricas, mas ao invés de desencadear a esperada aventura inocente extraordinária que o menino sonhava, o protagonista se vê numa jornada gananciosa e infratora, no qual em nenhum momento ele é o herói da história, mas é só um elemento de esperança no mar de mesquinharia humana. Sua dinâmica com os anões, que começam a ter interesse na imaginação do jovem, compõe a fantasia de interesses, egoísmo e cobiça dos ladrãozinhos, e o protagonista vai perdendo o sentimento de aventura e divertimento, caindo num ar derrotista, muito bem transposto pela interpretação apática de Craig.

Mas a sacada genial de Gilliam está em não trazer drama à história, como também manter uma magia, só mais, digamos, suja. O espectador vai percebendo a destruição dos sonhos e ingenuidade de Kevin, mas a audiência não está de maneira alguma sofrendo, mas sim adorando! É engraçado demais ver o menino nessas situações desoladoras, e a narrativa das viagens temporais assume uma estrutura de esquete, com diferentes “episódios” históricos dentro do filme. Feiticeiros, cavaleiros, heróis? Nada disso. Kevin se encontra com Napoleão (Ian Holm, simplesmente fantástico), um conquistador violento com complexo de inferioridade. Um casal de ogros que querem comer os personagens principais. Um Robin Hood (John Cleese), que é um mentiroso patológico e utiliza criminosos brutais para saquear os ricos. E, claro, o já dito antagonista principal, a personificação do mal na atuação exageradamente hilária de David Warner. O humor britânico está afiadíssimo nessas aventuras contidas, desde o sarcasmo de Cleese, a depreciação de Holm, a falta de empatia e espiritualidade dos anões, e a (quase) sádica maneira que Gilliam faz o público se divertir com a tortura de Kevin.

A única exceção seria o Rei Agamemnon (Sean Connery, um poço de simpatia e carisma), e o primeiro personagem mais habitual de fantasias na história. Kevin inicialmente tem até receio por causa das experiências traumáticas, mas Connery sendo Connery consegue fazer o jovenzinho acreditar no seu heroísmo, afabilidade e bondade. Curiosamente, essa parte medieval é a mais bela do filme, enquanto o restante das aventuras do protagonista acontece em torno da imundice e bagunça, com uma fotografia escura. É criativo, imaginativo e até mágico? Com certeza. Mas com um estilo desonesto e meio realista dado às viagens temporais nada prazerosas para Kevin, mas deliciosamente cômicas para o público.

Os Bandidos do Tempo é uma hilária fantasia sobre a destruição sonhadora de Kevin em uma sucessão de esquetes temporais em torno de personagens desagradáveis e nocivos, recheada de sátiras moralistas, materialistas e religiosas, e, claro, o surrealismo e acidez “Pythonesca” de Gilliam e Palin. Numa nota negativa, acho que a narrativa fragmentada rouba o ritmo do filme à medida que o clímax se aproxima, e as piadas delinquentes em torno dos anões ficam meio repetitivas por serem a única “esquete” constante, mas são pormenores em um ótimo filme de comédia britânica. Nosso herói não consegue sua aventura heroica, e o espectador certamente passa toda a fita se divertindo nessa fantasia tragicômica e derrotista.

Os Bandidos do Tempo (Time Bandits) – Reino Unido, 1981
Direção: Terry Gilliam
Roteiro: Terry Gilliam, Michael Palin
Elenco: Sean Connery, Shelley Duvall, John Cleese, Katherine Helmond, Ian Holm, Michael Palin, Ralph Richardson, Peter Vaughan, David Warner, David Rappaport, Kenny Baker, Malcolm Dixon, Mike Edmonds, Jack Purvis, Tiny Ross, Craig Warnock, Jim Broadbent, Myrtle Devenish
Duração: 116 min.

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